O inimigo número um de Macondo
18/04/12 21:54Nunca tinha ouvido falar em Andrés Caicedo quando esbarrei na mostra dedicada a ele na Luis Angel Arango, a principal das megabibliotecas de Bogotá, no bairro histórico da Candelária.
Tá, é claro que consultei o oráculo antes de admitir minha ignorância por aqui (vai que ele era tipo um neo-Bolaño e só eu não sabia). Depois de um Google, todo mundo é valente.
Não encontrei nada nos jornais e sites literários nacionais –pra não dizer que não encontrei nada mesmo, teve essa brevíssima citação no Noblat, e logo aparecerão leitores com links, porque a gente nunca deve duvidar do conhecimento dos leitores. Mas, por ora, até o verbete na Wikipedia em português está parcialmente em espanhol e sob o aviso de “fontes duvidosas”.
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A história de Caicedo é tão boa que parece de mentira –escrevi sobre ela no Diário de Bogotá, na “Ilustríssima” (link para assinantes) do domingo passado.
Ele teve só dois livros publicados em vida. O primeiro, “El Atravesado”, saiu em 1975, quando ele tinha 23 anos, em edição paga pela mãe. Do segundo, “¡Que Viva la Música!”, ele recebeu a primeira cópia, editada pela Colcultura, na tarde de 4 de março de 1977. Poucas horas depois ingeriu 60 comprimidos do calmante Seconal. Tinha 25 anos.
A chave para o suicídio estava no romance, no qual a protagonista loira e rica explora o potencial festivo de Cali. “Viver mais de 25 anos é uma vergonha”, diz o texto.
Vinte e cinco anos foram suficientes para que deixasse três romances pela metade, além do concluído (e hoje famosíssimo na Colômbia) “¡Que Viva la Música!”, vários roteiros de cinema (quatro dos quais levou a Hollywood em 1976, com a esperança, fracassada, de vender ao diretor de filmes B Roger Corman), um porção de peças e contos, e ainda cartas a perder de vista.
As cartas ele achava que escrevia tão bem que guardou, em papel carbono, cópias de todas as que enviou a familiares e amigos. Boa parte delas está publicada em coletâneas na Colômbia.
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Se há algo em comum entre Caicedo e Bolaño, já que falei dele, é o reconhecimento tardio. Sendo que Caicedo demorou ainda mais a cair nas graças internacionais a partir da contagem post-mortem. Só em 2009, quando saiu a autobiografia “Mi Cuerpo Es Una Celda” pela Norma, editora de toda a sua obra, a história do colombiano ficou conhecida no Chile e na Argentina.
Hoje ele está traduzido na Itália e na Alemanha, com edições de seus livros previstas para breve em língua inglesa e francesa. Por aqui, permanece inédito.
A exposição na Luis Angel Arango, “Morir y Dejar Obra”, mostra outras facetas dele, como os textos sobre cinema que escreveu para a revista “Ojo al Cine”, que ele também criou, e cartazes que desenhou nos tempos do Cineclube de Cali, que fundou em sua cidade natal.
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Fiquei curiosíssima ao sair da mostra. Passei na Luvina, livraria fofa numa esquina tranquila da badalada Macarena (confesso que não achei a Macarena tão badalada quanto dizem os guias, mas o fato de tê-la conhecida na Páscoa numa cidade onde a população leva o catolicismo a sério pode ter influenciado). Descobri que a Norma não distribui para pequenas livrarias.
Acabei comprando num sebo, pouco antes de vir embora. Achei a edição simplinha para uma grande editora e depois vi que era um livro pirata (eles fazem muito isso na América Latina hispânica; até fiz um post sobre livros piratas em Lima nos primórdios do blog). Um livro bem acabadinho, até, com ficha catalográfica e tudo, informando que “é proibida a reprodução total ou parcial sem permissão por escrito da editora”.
Estou lendo, gostando. Entendendo por que Caicedo, na definição do escritor chileno Alberto Fuguet, é o inimigo número um de Macondo –o texto dele, urbano, moderno, não tem um resquício do realismo fantástico que tornou famoso seu conterrâneo Gabriel García Márques.
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Um dos amigos de Caicedo dos temos de “Ojos al Cine”, Luis Ospina –o curador da mostra–, fez um documentário sobre ele, do qual se encontra trechos no YouTube.
E disponibilizou também a única entrevista em vídeo que se conhece do autor.
Raquel, quais livros do Roberto Bolaño você recomendaria para um neófito?
Marcelo, desculpe não responder antes! A verdade é que sou a pessoa menos indicada a indicar Bolaño, só conheço o básico, mas tenho muita vontade de ler 2666, o livro quatro em um. Se eu fosse você, começava logo por ele. E depois me contava como é =P
E um volume de ensaios acadêmicos sobre o trabalho de Caicedo pode ser encontrada em
“La estela de Caicedo”
http://www.amazon.com/Caicedo-Miradas-cr%C3%83%C2%ADticas-Spanish-Edition/dp/1930744382
obrigado!
Opa, gracias
Se puede ver el documental ANDRÉS CAICEDO: UNOS POCOS BUENOS AMIGOS (com legendas en inglés) aquí:
https://vimeo.com/30413482
gracias!
Raquel, Tristán Solarte é um autor panamenho e a obra mais famosa está aqui online: http://www.binal.ac.pa/buscar/cldetalle.php?id=75&from=l
Obrigada, Indra. Nunca li, mas já anotei. Será que vende no Brasil? Pesquisarei =)
Olá Raquel, eu adoro o seu blog e estou sempre de olho nele. Seus textos são muito legais e interessantes. Tenho uma pergunta um pouco deslocada. Você já escreveu algo sobre o Roberto Bolaño? Tenho curiosidade em saber sua opinião sobre ele. Sds!
Raquel, obrigada pelo que me toca…o meu português é bom porque leio muito…muito mesmo! Amo ler. Quanto aos autores panamenhos, te mando uns nomes daqui à pouco. Besos!
Como panamenha, me sinto feliz cada vez que encontro um brasileiro se deleitando com os autores hispanos. Essa falta de conhecimento bilateral é uma ferida que guardo e que não consigo engolir. América Latina não conhecer a literatura do Machado de Assis e o Brasil não conhecer a literatura do Julio Cortázar é realmente dilacerante para o meu delicado coração. Não conhecia seu blog Raquel, mas vou seguir de perto essa escrita sensível, sem fronteiras e sem preconceitos tolos. Obrigada!
Obrigada, Indra! E o que você recomenda de literatura panamenha? E, olha, estou impressionada com o português de vocês, o seu e o do Leonardo!
Nunca tinha ouvido falar em Andrés Caicedo…e a pouco tempo sigo seu blog. Encantei-me com o papo bom que rola aqui. Com certeza frequentarei com mais frequência.
Sucesso e ótimas dicas para nós leitores.
Obrigada, Renata! Tendo dicas, deposite aqui também =)
Olá, Raquel, tudo bem?
Acompanho seu blog há um tempinho já, mas é a primeira vez que resolvo comentar. Também não conhecia o Calcedo e achei o post sensacional. Vou atrás com certeza!
Obrigada, Rafael! A história dele é mesmo fora de série
Caramba!Por motivos obvios fui fisgado a ler o post pelo título, também o termina com maestria…Vou sempre ler a coluna. Qto ao escritor “ido”, fiquei curioso.
Obrigada, Tadeu! Fique à vontade para voltar, comentar, dar sugestões e fazer críticas (mas a gente prefere elogios, cof)
Putz!Muito legal,Raquel!Obrigada por divulgar! 🙂
Apaixonante, né? Acho que vou abrir uma editora só para publicá-lo aqui!
Sou colombiano morando em SP e conheci teu blog depois que a minha esposa me falou do comentário sobre Andrés.
que pena que a macarena foi uma decepção! tem certos lugares que só com um nativo da pra conhcer bem!
mas falando do Caicedo, uma das coisas que sempre acabou eclipsando o talento dele foi o fato de ter se matado numa época e num país que não sabiam o que fazer com isso. Na escola, eu lembro que Viva la Música era uma espécie de malleus malleficarum ou biblia negra!! o professor mais honesto que eu tive, dizia que o livro era até bom, mas não dava pra levar a sério uma pessoa que se mata a essa idade.
tudo isso, lógico, acabou criando uma leva enorme de leitores interessados naquela leitura proibida!!! eu recomendo muito a leitura do livro, como Calenho, as vezes acho um pouco local, mas tem alguma coisa mais local do que almas mortas do Gogol??? e tai na literatura universal.
Caicedo vive, como la música!
Leonardo, adorei seu comentário! Nada melhor que o depoimento de um calenho sobre o livro.
Não sabia que o livro tinha se tornado “maldito” por causa do suicídio. Isso torna a história mais interessante ainda. O que mais dele você recomenda?
Não consigo acreditar que ele nunca tenha sido publicado aqui, sendo que a gente é praticamente vizinho.
E que português perfeito você tem 😉
beijos ao casal, Raquel
Sra. Cozer, obrigado pela indicação mas, infelizmente eu tenho um tipo de preconceito muito estranho e muito forte: se a pessoa cometeu suicídio, toda a obra dela – para mim – está maculada. Explico: embora o desespero possa atingir qualquer um em qualquer momento, considero o abandono da vida um ato tão extremo, que tudo o que o fugitivo escreveu, disse ou fez me parece…enganação, traição aos admiradores. Bem, sou só eu.
Entendo seu ponto de vista, Luciano, embora eu ache que ele elimina muita coisa boa (vide exemplos citados pelo Cassionei). Mas respeito sua posição.
Aos quase sessenta, “impublicado”, ainda acho desperdício imolar-se aos vinte e cinco com tanta coisa pra falar. Meus respeitos.
Se era tão bom assim antes dos 25, imagina como não poderia ser hoje… Acho que foi o Hector Abad quem falou, em Brasília, que autores jovens em geral são bons poetas, mas romancistas são melhores quando são um pouco mais velhos, porque têm mais experiência de vida
Boa essa lembrança. Já vinha procurando algo sobre ele. Antes, num ensaio do mestrado, estudei sobre o suicídio em textos literários, agora, para a dissertação e um romance que estou escrevendo para fazer parte da dissertação, me centro nos escritores suicidas.
Que autores você está estudando para a dissertação, Cassionei? Posso ver esse seu ensaio?
Sylvia Plath, Hemingway, Maiakovski, Ana Cristina César, etc. A lista é imensa. Quanto ao ensaio, estou esperando sair na revista acadêmica da universidade onde estudo. Logo que for publicado mando sinal de fumaça.
A história da Plath é incrível. Vc sabe que a Assia, a amante com quem ele estava quando a Plath se matou, acabou se suicidando do mesmo jeito, no fogão, mas levando a filha junto, né? O engraçado é que por causa dessa história com o Hughes a Sylvia ganhou essa pecha de mulherzinha, que era tudo o que ela não era…
Estou lendo os diários dela e andei revendo o filme. Recebi há pouco o Guia da Companhia das Letras e vi que estão lançando um livro da Janet Malcom sobre a escritora, “A mulher calada”. Mas a editora está nos devendo um relançamento de “O deus selvagem”, de A. Alvarez, que era amigo da Plath, e que tentou um dia se matar. O livro é o melhor que há sobre o tema. Consegui meu exemplar num sebo.
para entender um pouco os suicidios, recomendo “Night falls fast”
Cassiano, uma amiga especialista em Plath, e que foi quem me incutiu esse interesse por ela, diz que A Mulher Calada é dos melhores ou o melhor que se encontra sobre o tema. E Night Falls Fast (cuja tradução poderia ser CaiCedo, rs) está anotado agora para averiguação, Osvaldo =P
Valeu, Raquel.
Ah, é Cassionei o nome. Abraço.
Ops!
Ironia o nome e a história, né? Caicedo.
Haha! O Ronaldo Bressane e o Joca Terron também atentaram para o fato no Twitter. Nascido para se matar (antes dos 25)
A história dele lembra bastante a do John Kennedy Toole, que ganhou um Pulitzer póstumo por “Uma Confraria de tolos”…
O Bolaño cheguei a ter certo reconhecimento quando vivo…
Abs
* O Bolaño CHEGOU…
Sim, sim, o Bolaño teve, mas o reconhecimento na Europa e nos EUA veio depois que ele morreu. O Caicedo também foi meio conhecido na Colômbia quando vivo, pelas peças de teatro e pelas críticas na Ojo al Cine, mas só agora está começando a chegar a outros países
É verdade. Embora o Toole não tenha chegado a bombar, né? Digo, ok, um Pulitzer é respeitável.
tinha lido a reportagem e fiquei com vontade de conhecer o autor. fui no site da Cultura, mas tinha pouca oferta de titulos e achei os preços altos ou os prazos de entrega muito grandes. acessei entao o site da Libreria Santa Fe, em Buenos Aires, e descobri uma oferta maior e preços otimos (tem livro q sai a 12 reais). mas o frete custa mais de 50 reais, isso pra vir dali do nosso vizinho. entao acho q vou esperar sair uma ediçao em ingles pela Amazon…
Mais de 50 reais de frete?? Vou xerocar meu livrinho (com a ficha catalográfica) e montar uma banquinha.
hehe, e exportar pra Pirate’s Fair, em Lima.
Ediciones Pirata de Calidad, a editorial predileta do Caicedo
http://www.facebook.com/photo.php?fbid=217459478356666&set=a.117432595026022.12439.117132201722728&type=1&ref=nf
Fiquei encantada com a história de Andrés Caicado, mas acho uma pena morrer aos 25 anos (seja qual for a motivação). Mas vou tentar ler os livros que ele deixou. Adorei seu post. Eu tb tenho meu oráculo virtual pra me salvar nessas horas. Só que aqui no mundo das bruxas, em vez de Google é Gurugle.