O que traduz Bóris Schnaiderman
02/07/12 01:39Bóris Schnaiderman e Antonio Candido combinaram comemorar juntos o aniversário de cem anos de cada um deles. O tradutor nasceu em 1917, o crítico literário, em 1918 (Candido completa 94 no próximo dia 24; não sei o mês de nascimento do Bóris, quem souber me ajude, please).
Candido acha graça ao contar isso em “O que Traduz Bóris?”, documentário de Daniel e Jorge Grinspum que será exibido na Biblioteca Mário de Andrade nesta segunda, a partir das 17h30, por ocasião do lançamento da “Revista da Biblioteca Mário de Andrade” n. 67. A edição inclui dossiê sobre Bóris, na qual Antonio Candido assina texto crítico. Ou afetivo, talvez, sem que isso lhe tire o interesse.
Bóris andou doente no ano passado, então é especialmente bom saber que confirmou presença. E, mais que isso, acompanhado por Candido, que tem mais disposição física do que eu. Quem já assistiu a um ou outro falar sabe a coisa impressionante que é. Ver os dois juntos é uma dessas chances únicas, tão únicas que, sinto avisar, só dava para confirmar presença até o último dia 28. Estarei fora de São Paulo, mas agradeço se alguém depois quiser contar como foi.
De todo modo, o documentário terá outras exibições, no mesmo local, nos dias 16, 23 e 30 de julho, e no dia 13 de agosto, sempre às 19h.
Dada a vida de Bóris, poderia ser uma ficção: em poucas linhas, vale citar que nasceu na Ucrânia, assim como Clarice, e assim como ela chegou criança ao Brasil nos anos 20; que ainda na Ucrânia viu na escadaria de Odessa as filmagens da famosa cena de “O Encouraçado Potemkin” (“potchânkin”, como Bóris pronuncia); que foi pracinha na Segunda Guerra e a partir da experiência escreveu seu único romance, “Guerra em Surdina”; que criou o mais importante curso de russo no Brasil, o da USP, e influenciou gerações de estudiosos.
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Sua história de vida é conhecida, talvez porque ele goste de contá-la, ou talvez porque nós, jornalistas, nunca o deixemos em paz e ele seja educado demais para reclamar (tive minha chance de importuná-lo quando trabalhava no Estadão e ainda ganhei chá e bolachas com geleia de pimenta). O documentário a refaz com a ajuda de depoimentos, como os do editor e tradutor Jacó Guinsburg, amigo de juventude; da escritora Tatiana Belinky, que o conheceu na infância; e da professora de literatura Jerusa Pires, com quem é casado há 26 anos.
Entre as curiosidades, há o relato do filho de que Bóris teve neurose de guerra por anos a fio depois de voltar da Itália: “Ele acordava à noite, ficava de pé na cama e dizia: ‘Enterrem os mortos'”. Quem, como eu, não teve a oportunidade de ouvi-lo dar aulas é capaz se emocionar com a reprodução de uma linda fala dele ao programa “Aula Maior”, da TV Cultura, em 1975, analisando Dostoiévski a partir dos conceitos de dialogia e polifonia de Mikhail Bakhtin.
Ainda sobre Dostoiévski, a certa altura o tradutor Bruno Gomide conta que o único lugar no mundo onde Dostoiévski, Gógol, Tolstói e outros nomes russos são acentuados é no Brasil. Foi uma ideia de Bóris para facilitar a leitura e que acabou adotada pela academia e pelo mercado.
Talvez esse detalhe de nada ajude a esclarecer por que Bóris, assim como Candido, é essa unanimidade toda mesmo entre quem não é da academia. Entre os maiores nomes da intelectualidade brasileira, tanto um quanto o outro têm o raro talento de tornar acessíveis assuntos que teriam tudo para ficar encastelados na universidade.
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(Vocês vejam que consegui terminar o post sem usar “fofo” para definir Bóris nenhuma vez. Ops, usei.)
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Update: Acabo de ser informada de que Bóris não pôde ir à homenagem. =( Mas Antonio Candido foi, e Paulo Bezerra, e todo mundo relevante que sabe a importância de homenagear Bóris. Que ele fique melhor.
Oi, xará. Amei o post. O Boris merece mesmo. Só uma correção, o prof. Bruno nao é tradutor.
Beijão
Ops! Gracias
Grande Bóris. Recomendo “Guerra em surdina”, um livro único, sensacional, que conta uma história muito pouco conhecida por nós, brasileiros. Está na minha estante ao lado de grandes livros de guerra, como os do Malaparte (mentira, minha estante é uma zona, mas se eu fosse organizado estaria lá).
Que legal, cê leu? O Bóris diz que não gosta do livro, que foi uma bobagem de juventude <3
Raquel, taí excelente dobradinha. Boris é o cara, sem ele como leríamos os grandes russos hoje? Por tabela do francês? Acho que não.
Cândido é o bruxo das interpretações literárias. É dos raros intelectuais que qualquer livro dele que você lê (na devida proporção do interesse pelo tema) não consegue parar até ir à ultima página. É um espanto a cada parágrafo. Seu Formação diz bem o tamanho do talento, da profundidade de suas análises. Quando lecionava literatura na Paraíba, insistia vivamente com os alunos que eles podiam não ler nenhum teórico durante o curso, mas que lessem Antonio Cândido, de cabo a rabo, de Formação a outros livros formadores. Travei longos debates com professores que achavam exagero por as ideias do crítico além de visões menos dentro do “cânone” crítico brasileiro. Não tenho culpa, o que Cândido inaugurou no Brasil ainda hoje ecoa nas academias. Via esses olhares como críticas ciumentas ao nosso sempre melhor crítico. Fagulhas de professores que não querem reconhecer a imensa contribuição dos clássicos pensadores da velha USP.
No documentário sobre o Bóris artistas leem trechos de livros dele, e é de uma fluência e uma despretensão que imediatamente me fizeram lembrar do Candido