Livros a até R$ 10: um balanço do programa da FBN e o anúncio da nova fase
10/08/12 22:54Quem trabalha com políticas públicas costuma dizer que o mais difícil de ações na área cultural é manter a continuidade. Provam isso o programa de traduções de livros brasileiros para o exterior, com altos e baixos desde os anos 90 (atualmente em alta), e os editais das bolsas de criação literária da Funarte, que não circularam em 2011 e voltaram agora com alterações questionáveis.
Acho que mais raro é uma instituição reconhecer falhas de um programa e usar isso para melhorá-lo. Então justiça seja feita à Biblioteca Nacional, que acaba de lançar a segunda fase de seu programa de livros de baixo preço. Algumas mudanças estavam previstas, outras foram pensadas pela percepção de problemas –boa parte noticiada no Painel das Letras.
A maior bandeira de Galeno Amorim quando assumiu a presidência da FBN, no começo do ano passado, soava tão interessante ao consumidor quanto deixava empresários do ramo de cabelo em pé: estimular a produção e comercialização do livro de modo que o preço final fosse R$ 10, isso envolvendo toda a cadeia produtiva, ou seja, editores, distribuidores e livreiros.
Se a ideia fosse viável, livros a R$ 10 já seriam comuns, diziam editores –para eles, não haveria como a conta fechar, pois seria muito trabalho para uma margem de lucro irrisória. Para Amorim, era uma questão de estimular o mercado a acreditar na possibilidade, e a conta fecharia a partir do momento em que o preço mais baixo resultasse no aumento de vendas.
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No começo deste ano, a FBN lançou a primeira etapa do programa, visando a compra de livros a R$ 10 por bibliotecas, e logo veio a enxurrada de problemas. De cara, a tradutora Denise Bottmann descobriu que a editora Martin Claret havia cadastrado dezenas de livros com traduções suspeitas de plágio (comento a atual situação no Painel das Letras deste sábado: a Claret foi a terceira editora com mais livros pedidos por bibliotecas).
Inúmeras editoras não entenderam que as livrarias fariam o meio de campo. Só depois de cadastradas descobriram que não venderiam livros a R$ 10 para bibliotecas, e sim que teriam de vendê-los a até R$ 7 para livrarias, que revenderiam às instituições. Faltou consenso quanto à parcela de editoras e livrarias na negociação, e algumas destas nunca pagaram. Lojas fizeram pedidos às editoras sem encomenda anterior das bibliotecas, o que era condição do programa.
Após vários adiamentos no prazo para entrega dos livros, até o fim de setembro todas as bibliotecas devem receber seus pedidos, diz a FBN. O processo envolveu compras de 2.114 bibliotecas, intermediação de 384 livrarias e vendas de 274 editoras. Balanço da FBN aponta economia de R$ 66 milhões na aquisição de livros por bibliotecas –o preço médio até 2010, eles dizem, era R$ 44 por unidade, enquanto agora foi de menos de R$ 10.
No total, o governo gastou R$ 17 milhões. Eu me pergunto se livros vendidos a R$ 10 terão a durabilidade necessária para bibliotecas, já que em geral livros para bibliotecas precisam ter acabamento melhor. Me pergunto se esse barato não sairá caro, mas isso é só especulação.
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Uma novidade positiva do programa é passar a bibliotecários o ônus de escolher os livros de que as bibliotecas precisam, algo inédito no país –em geral, a compra é feita por comissões do governo, enquanto em países como a França cabe a bibliotecários montar seus acervos.
Acontece que muitos bibliotecários não estavam preparados, como percebeu a FBN, que agora promete um programa para formação deles. Um exemplo: entre os 20 autores com títulos mais pedidos estão Gabriel Chalita, que escreve autoajuda, e o autor de best-sellers Nicholas Sparks. A boa notícia é que a maior parte dos autores com mais títulos pedidos são importantes em bibliotecas, como Machado de Assis, José de Alencar e Monteiro Lobato.
Se na primeira etapa as editoras cadastravam livros que queriam oferecer e só depois os bibliotecários escolhiam, na nova fase haverá uma necessária inversão de papéis: primeiro as bibliotecas listarão, cada uma, 200 títulos que gostariam de ter. Serão elencados os mil títulos mais indicados, e 400 deles serão comprados, espera-se, após negociações com editoras.
Estas se comprometerão a produzir 4.000 exemplares de cada títulos escolhido para distribuição em bibliotecas, que receberão kits, e outros 4.000 exemplares para colocação nas livrarias participantes do programa, para venda direta ao consumidor, a R$ 10. Uma novidade (que pode causar chiadeira entre livreiros) é que esta fase incluirá pontos de vendas que não sejam livrarias. Ou seja, farmácias que quiserem vender livros a R$ 10 ganharão um display para participar.
Se agora vai funcionar? Pode-se prever problemas, mas, ok, vamos dar um voto de confiança. E uma lembrança: editoras, livrarias, distribuidores e bibliotecas interessados em participar de ações futuras podem se cadastrar em www.bn.br. Isso também ajuda em mapeamento do mercado editorial, cujos dados ainda são obscuros.
Sobre a formação do leitor, penso no assunto diariamente. Gosto da liberdade e autonomia dos leitores na escolha dos livros a serem lidos, ainda que não escolham o que considero ser “boa literatura”, pois acredito também que ao iniciar a leitura a partir de best sellers, romances em série ou quadrinhos, o leitor possa desenvolver e amadurecer suas leituras. Entretanto, isso não nos isenta da responsabilidade pela informação e formação dos leitores, em apresentar a diversidade e riqueza da literatura. Não apenas selecionar livros para a aquisição, mas sim oferecer aos leitores o que há na biblioteca, conversar sobre as leituras que realizam, propor novas leituras e criar vínculos que nos permitam conhecer o leitor e seus interesses. Mais do que incentivar, me refiro à troca de experiências, afinal, como defende Sonia Kramer, a leitura pode ser gosto, prazer, hábito, fuga, prática, mas para se constituir como formadora, precisa se concretizar como experiência. Experiência que pode e deve acontecer também dentro da biblioteca e o leitor levará para além daquele momento e tempo os resultados dela. É um discurso muito repetitivo talvez, mas além do preparo técnico, precisamos gostar de estar com as pessoas e com os livros. Conhecer nossa literatura e os leitores, para então adquirir o que é bom para eles. Quanto tempo investimos nisso? Tudo está em jogo como a formação do profissional, o interesse, a carga horária e a consciência da responsabilidade de cada um. Não formaremos leitores sozinhos, mas somos um dos responsáveis perante a sociedade. Como pesquisadora na área de formação do leitor, reforço que sem o gosto pelas pessoas e pela literatura, não se faz um bom profissional da biblioteca pública.
Qual é exatamente a sua pesquisa, Pâmela? É um assunto que me interessa bastante, que sempre volta no blog e na coluna. E você trabalha ou já trabalhou em algum plano do governo?
Minha pesquisa é sobre a recepção da literatura lobatiana pelo leitor contemporâneo. Não trabalhei em planos do governo. Atualmente, coordeno um projeto de ação cultural e incentivo à leitura no Programa Carro-Biblioteca da UFMG. Um abraço. Raquel.
Fico muito triste ainda de ver essa cultura de pedintes que vivemos nas bibliotecas públicas. Parece que estamos sendo agraciados com uma doação da Biblioteca Nacional e por isso devemos receber livros que as editoras se dispuseram a vender livros a um valor baixo. Acredito que as políticas de acesso ao livro e literatura deveriam estar baseados sim na escolha dos bibliotecários, mas que esses possam ter autonomia para essa escolha. A presença da FBN ajudariam em sistematizar essas demandas e com isso negociar melhores condições e nisso todos ganhariam. Não acredito no sucesso do segundo edital. Teremos bons livros, mas numa escala muito reduzida de opções. O problema é muito mais embaixo, claro. Não será a FBN que resolverá apenas doando livros, temos que fortalecer primeiramente uma cultura de um bom serviço de biblioteca pública para que possamos cada vez mais fortalecer também a qualidade dessas instituições e por consequência seu acervo.
Oi, Tiago! Mas hoje em dia, em todos os outros programas de aquisição, a editora é que cadastra os livros. A diferença, nesse caso, é que como não é de preço tão baixo (vendas para o governo sempre são preço menor que para livrarias), elas acabam cadastrando bem mais opções.
com essa inversão anunciada, espero que a fbn tenha sensatez suficiente para solicitar às editoras a documentação que comprove a idoneidade dos títulos antes de contratar a compra… é o que acontece em todos os outros programas públicos de aquisição de obras. senão vira essa bandalheira mesmo.
Total. Que seja um dos pontos melhorados a partir de problemas da primeira fase. Achei uma pena o Ministério Público Federal, essa instituição tão séria, demorar tanto a dar o aval, a ponto de os livros começarem a ser distribuídos.
Digo, mesmo que eles tenham feito as substituições das traduções (embora eu tenha a informação de que não tiveram tempo de substituir mais de 20% das traduções inscritas), a gente não teria como saber, porque o aval ainda não saiu.
Aliás, hoje na Bienal vi a Martin Claret expondo, entre edições novas, uma antiga edição de “O Príncipe” traduzida por Pietro Nassetti. Isso faz pensar que eles não estão tão preocupados assim em fazer essas substituições…
(Ow, ficou meio engraçado o “que pouca vergonha! a jornalista raquel cozer deu hoje” no seu blog rs)
Tenho uma dúvida.
Estes bibliotecários são realmente bibliotecários ou pessoas-aleatórias-que-cuidam-da-biblioteca?
Ao menos pelo currículo de biblioteconomia os formados deveriam sair da universidade sabendo montar um acervo e quais técnicas usar pra tal.
É importante frisar que um acervo tem que ser montado pensando no tipo de biblioteca (universitária, pública, escolar, especializada, …) e no usuário dela. Pra atender a esses dois quesitos o bibliotecário nunca decide sozinho, a consulta à instituição na qual a biblioteca se localiza é essencial. Na parte dos usuários coisas simples como aplicação de questionários e análise estatística tem que ser feitas. No mais, ao menos no que diz respeito a currículo, tudo isso é ensinado a quem se forma em biblioteconomia atualmente.
Oi, Bruno. As bibliotecas são só as públicas, sem contar escolares ou universitárias. De todo modo, é claro que as decisões nunca são individuais. Sobre faculdade, a gente pode imaginar que nem todas formam bons profissionais, infelizmente. Por isso programas de formação organizados pelo governo são importantes mesmo pra quem é graduado, já que esse é um assunto de interesse público. O que a FBN falou foi que percebeu dificuldades por parte dos bibliotecários inclusive em questões burocráticas (preenchimento de documentos, essas coisas).
Bruno,
Suas preocupações são as mesmas que eu tenho.
Tenho conhecimento de bibliotecas nas pequenas cidades do país cujos responsáveis não são bibliotecários e mesmo entre bibliotecários é preciso ampliar a discussão, pois não há consenso e nem experiência suficiente para tomada de decisão (há algumas falhas na formação universitária) a respeito da porcentagem adequada de aquisição entre títulos clássicos, de “alta literatura” nacional e estrangeira, e best-sellers. Eu tenho uma posição um pouco maleável, uma vez acredito que alguns leitores são “chamados” por estes últimos e acabam criando um caminho de leitura de qualidade, inclusive migrando para leitura de filosofia, sociologia e história tornando-se mais que leitores, e sim cidadãos críticos.
Raquel, porque não escreve um livro?
Já tem tanta gente que escreve! Prefiro só analisar o mercado e comentar o que já existe 😉
Boa.
Raquel, trabalho, na minha Diretoria de Ensino, com o programa Sala de Leitura. Muitas escolhas são boas, outras um pouco questionáveis. Mas essa análise é subjetiva, gosto pessoal mesmo. O que me deixa assustado é como a cultura literária das pessoas envolvidas com a educação está se extinguindo. O primeiro problema/polêmica que presenciei foi aquele envolvendo aquela HQ com vários autores nacionais sobre futebol. Entendo que o livro estava no acervo do Ciclo I, mas a discussão que isso causou foi horrível, culminando com o governador dizendo se tratar de uma obra de “mal gosto”. O que veio depois, foi uma corrida de vários professores e bibliotecários escolares em busca de novos textos “pornográficos”. Nisso, a Diretoria de Ensino começou a a receber, da mão de vários diretores orgulhosos, inúmeros livros inadequados, como Um Contrato com Deus, obra-prima do Will Eisner. Penso que se os professores de língua portuguesa começam a procurar palavrões em livros, exigindo censura, o jogo está quase perdido. O último capítulo, por enquanto, foi a coletânea Os 100 Contos Brasileiros do Século. Vários diretores apareceram, indignados/felizes por terem encontrado o conto do Ignácio de Loyola Brandão, sobre a dona de casa reprimida e seus relatos sexuais. Essa obra foi comprada e distribuída em um kit com mais dois livros para alunos do 3º ano do Ensino Médio. Dessa vez não aguentei, tive que entrar na briga e deixar bem claro que profissionais da educação que não leem não tem direito de ditar o que é ou não literatura. Aproveitei para indicar outros contos da coletânea, como os do Rubem Fonseca, que eram até mais pesados do que o do Ignácio (se bem que a violência não causa o mesmo espanto que o sexo, pelo que percebi). Basicamente, profissionais da educação básica não leem e não trabalham literatura em sala de aula. E quando se animam, é para usar livros contra o governo. Mesmo entre coordenadores vejo problemas. Quando abro um livro nos intervalos das reuniões, percebo certos olhares abismados, de quem não entende o que aquele cidadão está fazendo com um livro. Nossa, ele está lendo sem ninguém ter mandado? E os bibliotecários atuais, numa boa, como disse o Uraniano, acham todos os livros lindos, principalmente se possuem capas fofinhas e não vão além dos best-sellers do momento e as auto-ajudas da vida. Uma pena mesmo. Fico feliz por ver uma editora como a Cosac & Naify que dá 40% de desconto em todo o seu catálogo para professores do ensino básico. Creio que devo ser um dos poucos que utiliza, mas nessa brincadeira, devo ter todas as obras literárias da editora. Os livros estão muito caros e a cultura literária está a cada vez mais restrita a poucos. Mas certamente o problema não reside apenas no preço.
UraRiano! Ele acaba de me corrigir ;-). Essas discussões envolvendo a boa moral na literatura são mesmo tristes. Não generalizo, acho que no caso do Monteiro Lobato, por exemplo, a discussão é que foi superficial. Afinal, ninguém pediu a censura do livro, mas apenas foi questionada a formação de professores capazes de explicar ou não para os alunos por que a mulher era chamada de “macaca”. Mas especialmente por isso programas de formação de professores, bibliotecários etc. são necessários.
Rogerio,
Obrigada por colocar em público um problema que afeta muitas pessoas que têm o hábito de leitura, e que, por falta de acervo, não frequentam mais bibliotecas. Tenho 40 anos e, na minha infância, devo ter lido pelo menos metade do acervo da Biblioteca Monteiro Lobato, aqui em SP. Era próximo da minha casa, de graça (algo importante para famílias pobres) e os livros eram interessantes para crianças (algo importante para mim na época).
Acompanhei o abandono da literatura pela pequena (já na década de 70) parcela da população que lia por prazer.
Isso, no meio em que cresci (classe média-baixa do Bixiga), se deu JUSTAMENTE por causa da política de escolas e governo de “esconder” os livros do público, restringir o número de bibliotecas e fechar as bibliotecas escolares.
Briguei muito durante minha formação escolar para ter acesso a obras de ficção que sim, existiam nas escolas, mas trancadas com a desculpa esfarrapada de que “não havia ninguém para cuidar” e que “os alunos iriam vender os livros” (sério, isso foi o que ouvi de uma diretora de escola da Z. Leste de SP).
Hoje, vejo com descrença uma Bienal do Livro onde a maioria esmagadora dos títulos disponíveis para crianças tem complexidade menor do que a antiga Cartilha Caminho Suave, que foi usada na minha alfabetização.
Ninguém aprende a gostar de ler com livros que contém uma frase por página, ou 2 frases por capítulo (quando vi isso num livro de Dan Brown quase caí da cadeira de susto); aprende-se a gostar de ler lendo histórias que propiciem a imersão no assunto, como as já citadas obras de Monteiro Lobato (e, sinceramente, qualquer criança de 7 anos de idade JÁ presenciou o preconceito de cor, seja ao vivo e a cores, seja pela televisão, ou seja, esse preconceito tem que ser discutido SIM desde a tenra infância), os contos de fadas antigos, romances efetivamente estruturados em torno de um assunto interessante, e, principalmente, aprende-se a gostar de ler quando os adultos que cercam a criança lêem.
E, para interessar adultos a ler, sinceramente, não adianta forrar uma biblioteca com livros de auto-ajuda ou livros didáticos: há necessidade de livros representativos da literatura mundial, que tenham uma grande abrangência de assuntos ficcionais – entre eles, inclusive, os mais pesados. Na minha 7a. série, por exemplo, eu já lia muita ficção científica e NÃO me ruborizava com os livros que tratavam de assuntos psicológica e sexualmente mais pesados, como tratados na série “Fundação” de Asimov.
Acredito que falta a muitos bibliotecários uma formação mais estruturada em educação, especialmente em relação ao grau de amadurecimento das pessoas relativo à idade das mesmas.
A partir dos 12 anos de idade, a pessoa não tem mais a necessidade de ser protegida de conteúdos mais maduros, dependendo da forma em que esses conteúdos são apresentados. Muito pelo contrário, a pessoa passa a buscar desenvolver sua compreensão do mundo adulto através desses textos mais maduros.
Por fim, até hoje não consigo entender por quê não existem paperbacks de autores nacionais, baratos como os da antiga Ediouro. Esses livros (cujo custo partia de, a preços de hoje, 5 reais) eram não só excelentes pelo conteúdo, mas pela acessibilidade.
Eu mesma sempre compro paperbacks em inglês a preços baixíssimos, obras de 5 a 20 reais, sendo muitos os títulos recentes. Não vejo isso sendo feito com relação aos autores nacionais, a não ser os autores de livros de auto-ajuda, e acredito que esse seja um entrave à popularização da leitura de ficção no Brasil: enquanto os próprios autores verem seus produtos como obras para a elite, a população verá a leitura como algo inacessível e elitizado.
Oi, Suzana, obrigada pelo comentario.
Sobre Lobato, é claro que o preconceito tem de ser discutido, e foi justamente isso o que a avaliadora comentou, que era necessário uma nota na edição a ser distribuída em escolas para ajudar os professores a explicar (porque, infelizmente, muitos professores neste país não estão aptos a explicar. Meu cunhadinho sofreu bullying na escola com os colegas sendo estimulados pelo professor, que não fazia ideia do que estava fazendo a ele –ele acabou abandonando a escola por dois anos), mas a leitura superficial daquele debate fez as pessoas deduzirem que ela queria que o livro fosse censurado. Ela sugeriu a nota explicariva só nos livros que fossem distribuídos nas escolas, não pediu nenhum corte ou apêndice na edição inteira, mas isso sairia caro para a editora, que deve ter adorado o debate superficial sobre o que seria censura.
Aliás, li todo Monteiro Lobato fora da escola, pegando os livros por conta na biblioteca. Eram os anos 80, menos politicamente corretos, em que até nos Trapalhões você via o Didi chamando o Mussum de macaco. Acho que o problema é, nos dias de hoje, um aluno aprender que não deve chamar um colega de macaco, ler em aula um dos maiores autores nacionais fazendo isso, perguntar ao professor por quê e o professor não saber explicar como isso mudou desde os tempos de Lobato. Vejo um autor como Teju Cole contando ter sofrido preconceito em plena Flip e não posso deixar de acreditar que os professores precisam estar preparados para esse debate em sala de aula.
Sobre temas “pesados”, como violência ou sexo, já me manifestei alguns posts abaixo. Acho inacreditável esse moralismo na literatura. Aliás, ler sobre sexo e entender a violência são coisas fudamentais para uma criança, já que muitas têm vergonha de perguntar sobre isso. Lembro também do teor sexual da “Fundação”, como me interessava.
(Aliás, recentemente reli uma edição antiga de um dos livros da série e fiquei chocada com a má tradução. Espero que a Aleph, atual editora, esteja fazendo um trabalho melhor.)
Paperbacks para autores nacionais é uma boa sugestão. De fato, as cada vez mais comuns “edições econômicas” privilegiam best-sellers ou potenciais best-sellers. Tirando a L&PM, que praticamente transformou todo o seu catálogo em livros de bolso –mas publica nesse formato muito mais títulos traduzidos. A questão, acho, é que já é tão raro a um autor nacional ter a edição original esgotada que as editoras nem pensam em preparar uma nova edição, mais barata… Infelizmente.
Eu não sabia que intelectuais de renome participavam da seleção. Grato pela informação.
Mas sou mesmo UraRiano. Corrijo sem problema, de tanto que me põem em Urano.
Abraço.
Hahahaha, acho que da outra vez tb escrevi errado. Acho que sempre li Uraniano. Que nem Banksy, que por anos li Bansky. Sorry, aprendi 😉
Com sugestões tão descartáveis de muitos bibliotecários, como fica a formação do leitor brasileiro ?
Na escolha dos livros, penso que deveria haver lugar para sugestões de críticos de amplo reconhecimento, como Antonio Cândido, Alfredo Bosi…
Seria sonhar além da conta?
Oi, Uraniano. Na escolha de livros do MEC participam estudiosos de renome na área. E vez por outra rolam aquelas polêmicas… Sugestões de críticos seriam ótimas, mas acho necessário também esse programa de formação de bibliotecários. Um bibliotecário que conhece e valoriza o próprio acervo certamente ajuda na formação do leitor
Caro Urariano,
Como bibliotecário posso te dizer que há um movimento por melhor desenvolvimento de coleções das bibliotecas públicas.
Já que citou o Antonio Cândido, eu não poderia deixar de compartilhar o texto abaixo dele que serve de breve guia de seleção literária para mim…. só faltou ele citar os best sellers!
Somente numa sociedade mais igualitária as obras literárias poderão transitar
sem barreiras, enfraquecendo a divisão percebida entre popular e erudito.
Em nossa sociedade há fruição segundo as classes na medida em que um
homem do povo está praticamente privado da possibilidade de conhecer e
aproveitar a leitura de Machado de Assis ou Mário de Andrade. Pare ele,
ficam a literatura de massa, o folclore, a sabedoria espontânea, a canção
popular, o provérbio. Estas modalidades são importantes e nobres, mas
é grave considerá-las como suficientes para a grande maioria que, devido à
pobreza e a ignorância, é impedida de chegar às obras eruditas. Para que
a literatura chamada erudita deixe de ser privilégio de pequenos grupos,
é preciso que a organização da sociedade seja feita de maneira a garantir
uma distribuição eqüitativa dos bens. Em princípio, só numa sociedade
igualitária os produtos literários poderão circular sem barreiras, e neste
domínio a situação é praticamente dramática em países como o Brasil,
onde a maioria da população é analfabeta, ou quase, e vive em condições
que não permitem a margem de lazer indispensável à leitura. Por isso,
numa sociedade estratificada deste tipo a fruição da literatura se estratifica
de maneira abrupta e alienante.
Antônio Candido
Lindo texto. Como de costume, em se tratando de Candido, que também fala tão bem quanto escreve..