A pensão portenha para escritores e as especificidades do mercado editorial
27/08/12 22:33Leio no blog do Prosa, do “Globo”, que escritores argentinos querem estender a todo o país um benefício já existente em Buenos Aires desde 2009: um subsídio vitalício para qualquer argentino (ou morador da capital por mais de 15 anos) com mais de 60 anos e que tenha publicado cinco obras de ficção, poesia, ensaio ou teatro. Hoje, informa a repórter Janaina Figueiredo, 80 escritores de Buenos Aires recebem 4.000 pesos mensais, ou cerca de R$ 1.800.
A presidente da Sociedade de Escritores e Escritoras Argentinos, Graciela Araoz, argumenta que “os que dedicaram sua vida à literatura e nos entregaram suas obras merecem viver dignamente”. Entre os beneficiários destacados na reportagem, estão Alberto Laiseca (“O Jardim das Máquinas Falantes” e “As Aventuras do Professor Eusebio Filigranati”) e Maria del Carmen Suárez (“Eva no Espelho” e “As Gordas”), ambos inéditos no Brasil.
Me chamou a atenção a informação de que em 2009 o governo municipal decidiu não vetar a lei (a votação ficou em 34 votos a favor e 22 contra, com abstenção do partido governista) porque ela “despertou simpatias dentro e fora do país”. E chamou a atenção justamente por sinalizar que minha posição sobre o assunto é, então, antipática. Percepção que as reações no Twitter ao meu questionamento corroboraram: das sete respostas que recebi, cinco foram a favor da lei.
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Minha rejeição à proposta da bolsa tem a ver com o fato de soar como aposentadoria extra por invalidez (ela é um complemento à aposentadoria, informa o “Globo”), como se um autor com mais de 60 anos tivesse menos capacidade que outros idosos para se sustentar. Ou como se fosse absurdo o fato de antes dos 60 ele ter se dedicado a outras atividades além da criação literária –mesmo atividades relacionadas, como dar aulas, traduzir, produzir textos para a imprensa ou o para próprio mercado editorial– para garantir a aposentadoria comum.
E, considerando que é um bônus pelos benefícios praticados à cultura, por que privilegiar escritores em detrimento de atores, artistas plásticos, músicos? O mercado para um ator na terceira idade é mais inóspito do que para um escritor consolidado, eu arriscaria dizer. Mais justo então seria ampliar o benefício a todos que contribuíram para a riqueza cultural do país.
Isso sem falar nos atletas, que na ativa trazem prestígio internacional ao país e colaboram para a queda nos índices internos de violência, mas, na terceira idade, estão menos aptos a se sustentar do que alguém que fez carreira pelo esforço intelectual. Só não sei o quão saudável seria para a economia local todo esse investimento, considerando que o envelhecimento geral da população tem justamente obrigado países a apertar os cintos da previdência social.
Talvez seja ainda mais antipático lembrar que escritores “dedicam suas vidas à literatura”, ou querem ter livros publicados, não por nobreza de sentimentos, mas por vaidade –sorte a nossa quando a vaidade vem junto com talento. A se considerar a abnegação, muito mais merecedores de benefícios seriam professores dos ensinos fundamental e médio, ou quem sabe bibliotecários, que fazem o que fazem, ganhando mal, sem expectativa de reconhecimento público.
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O “New York Times” abordou o benefício portenho numa reportagem de tom simpático, lembrando que esse não é o único incentivo do gênero na Argentina, país que tem “uma das tradições literárias mais fortes no mundo de língua espanhola”. Subsídios a editoras independentes e isenções fiscais para a compra de livros são alguns dos exemplos citados.
Sou a favor de incentivos ao mercado quando visam o maior acesso ao livro pela população. E também defendo incentivos específicos ao escritor. Há quem critique a ideia de bolsas ou prêmios governamentais, ou ainda de eventos literários que contem com apoio do MinC. Acho tudo isso importante para a melhoria da produção e da circulação de literatura no país.
Em 2010, antes do anúncio do Brasil como homenageado na Feira de Frankfurt 2013, escrevi sobre a importância do apoio à exportação da literatura feita no Brasil e me impressionei com o tanto de crítica à ideia de o governo investir na promoção de escritores. Por isso entendo quem defenda a bolsa portenha, embora eu discorde das justificativas para sua existência.
A verdade é que essa questão só ressalta o quanto é difícil lidar com esse híbrido de cultura e economia que compõe o mercado editorial –tão difícil que, para quem faz leituras superficiais, tratar do mercado do livro é deixar a cultura em segundo plano.
seus argumentos são perfeitos, mas se é uma particularidade de Buenos Aires de que as pessoas de lá gostam, não vejo como ser contra. acho simpático também.
quando se fala em previdência, acho muito difícil analisar um sistema estrangeiro, porque a gente fica pensando na previdência brasileira, e aí eu vou dizer que a conta nunca vai fechar mesmo, porque, entre outras razões, o sistema é extremamente desigual.
agora, não entendi essa parte do texto: “Isso sem falar nos atletas, que na ativa trazem prestígio internacional ao país e colaboram para a queda nos índices internos de violência”. Por que eles contribuem pra queda nos índices? Boiei tb. 🙂 abs
Esporte é uma das melhores coisas para reduzir níveis de violência numa sociedade, segundo uma pesquisa que o Núcleo de Violência da USP faz já há bastante tempo. Põe um campinho no lugar de um terreno baldio e vai ter mais criança jogando e menos criança envolvida com o crime. Esportistas servem de exemplo, viram modelo a ser alcançado, trabalham com causas sociais esportivas, dão aulas etc.
Sobre a previdência, só sei que está quebrando no mundo inteiro e que o partido governista era contra e preferiu se abster. Não sei se não há crítica interna, mas eles dizem na matéria que angariou elogios mundo afora, e eu, enquanto representante de mundo afora, resolvi me pronunciar =)
Raquel, olá… o que é “Dirigismo”? Tenho medo que façam uma espécie de lei Rouanet para livros, aí….. tamos falidos
Já existe lei Rouanet para livros, mas livros são muito mais baratos que shows e filmes, então quase não se nota. Eu sou a favor de incentivo para alguns projetos (há muito projeto para distribuição de livros em bibliotecas, por exemplo, ou para produção de livros para escolas públicas). Dirigismo é o excesso de intervenção do Estado na economia –no caso, na cultura.
A discriminação da mídia em relação ao escritor brasileiro.
Entrando em livrarias, em todo país, principalmente em aeroportos, em rede de supermercado que tem espaço para venda e divulgação de livros, notadamente o que assistimos que os autores estrangeiros ocupam o papel de destaque nas prateleiras, dando uma impressão que não existe escritor nativo, apenas os estrangeiros.
A mídia e os programas de entrevistas, também colocam nas paginas principais os lançamentos de escritores estrangeiros, dando ênfase para aquele lançamento que hora chega ao Brasil. Não temos nada contra o escritor de outro país, pelo contrario, sabemos que existem grandes escritores, só não concordamos que toda a mídia, não dê espaço para autores brasileiros, principalmente desconhecidos.
A Folha sempre dá resenhas e entrevistas com autores nacionais, nem vem. O mesmo vale para o Estadão (onde já trabalhei) e para o Globo (que tem até uma página específica para poetas desconhecidos). Sobre a autores desconhecidos, aliás, considerando a quantidade de gente que lança livros no Brasil (para ajudar seu cálculo: recebo uma média de 50 livros por semana, 250 livros por mês), é de se imaginar que eles sempre terão de mostrar a que vieram, já que estão concorrendo por espaço com gente que já mostrou a que veio.
Minha querida
Se existe quem escreve, deveria existir um modo de divulgar o trabalho, o bom fica o ruim desaparece. Mas o que quero dizer os espaços nas livrarias são mínimos, para nós escritores desconhecidos ou mesmo dizendo nada. Caminho com as minhas próprias pernas. Parece que o eixo rio – sp vivem no mundo da lua.
Estou lançando agora “Os erros que as mulheres cometem” se eu não for a luta, ficara apenas na edição.
http://escritor-amyndaherjr.blogspot.com.br/
Claro que existe um modo de divulgar, a internet é uma maravilha para isso. É mais do que muitos escritores bons tiveram na vida, no passado. Quem for bom aparecerá, de um jeito ou de outro. Quem estiver na média ou for ruim, enfim… É isso. Muita concorrência. Muito mais escritor do que espaço nos jornais, que precisam fazer uma megasseleção. Sorte aí pra vc!
raquel,
não sei se é possível; mas, caso sim, poderia dizer que tipos de livros recebe mensalmente?
apenas literatura (etc), jornalísticos, biografias, ou chega algo de culinária, viagens e talz?
Chega tudo, mas principalmente ficção, não ficção “literária” (biografias etc), infantis e poesia. Daí tem almanaques, livros de gastronomia, que estão na moda, guias. Não recebo muito negócios e nada de didáticos, porque não alcançamos o público-alvo deles (mas a Folha tem uma coluna de livros de negócios no caderno de economia, e uma de livros de viagens no de turismo).
Mais uma medida assistencialista. Bem a cara de governos progressistas que usam os tributos pagos pelos contribuintes que são obrigados a pagar previdência para ganhar uma merreca quando aposentam. A medida é de uma idiotice e de um subjetivismo canhestro. Os critérios para concessão ficaram por conta de uma patota que beneficiará os amigos e compadres do círculo literário. Trabalhar para sustentar a vida e escrever livros não são tarefas divergentes. Vários mestres da literatura brasileira trabalham e escrevem, até mesmo colunas de jornais, dão aulas, etc. Carlos Drumond de Andrade era servidor público, Vinícius de Moraes era diplomata, Nelson Rodrigues jornalista e por aí vai.
Reitero a importância desta bolsa com a mesma veemência com que professores deveriam ter um adicional em suas aposentadorias conforme a integridade de seus anos de magistério e pesquisa, então transformados em material físico (seja na forma de livro didático ou afins) em que o mesmo possa, por isso, tornar-se referência ao âmbito educacional. A prosa de ficção, por sua vez, deveria ter seu respaldo à medida em que a sua temática logre em palestras e/ou assuntos em comum interesse à contemporaneidade. Bem como fomente discussões integrando varias outras áreas do conhecimento humano, ou até sirvam como referências em teses de mestrado ou doutorado.
Esta bolsa é um estímulo, e não deve ser pensada nem especulada como um percalço ocioso de dispêndio com o dinheiro público. A questão é bem mais profunda e pontual à medida em que se contempla, uma vez mais, um apelo à qualidade e não à quantidade, ainda que seja evidente reconhecer que, do jeito como esta lei está descrita, é fácil incorrer ao erro de mais um projeto desconjuntado às reais necessidades culturais de um país.
Haja vista o pormenor tendencioso em que se procura preterir a importância de livros um dia terem sido publicados por editoras de reconhecimento. Isto é muito vago, precisaria ser seriamente especificado, ainda que seja necessário evitar-se a burocratização excessiva às condições para que um livro possa ser inscrito em tal categoria. Obviamente esse projeto de lei necessita de muitos acertos e discussões, mas esse diálogo se faz pertinente em um mundo onde se preza demais a macroeconomia em detrimento a outras necessidades sócio-culturais. Para se tornar de fato viável, serão necessárias melhorias estruturais em seus artigos a fim de adequá-la, exclusivamente, à solidificação de uma sociedade mais crítica e participativa. O leitor, em sua natural catarse, talvez seja o único e melhor termômetro para viabilizar ou obstruir propostas como esta.
Mas a boa literatura precisa integrar áreas do conhecimento humano, não basta por si? Quem vai estipular o critério de qualidade da obra merecedora de bolsa vitalícia sem incorrer no dirigismo? Enfim, como falei, não vejo justificativa para uma bolsa como essa. Quem é escritor é porque quer, a produção artística não deveria ser entendida como uma espécie de sacrifício pelo bem da humanidade, porque não é disso que trata a arte. E ampliar a proposta para pesquisadores, assim como para outras áreas artísticas, seria justo, mas torna a ideia onerosa e inviável.
“Quem é escritor é porque quer, a produção artística não deveria ser entendida como uma espécie de sacrifício pelo bem da humanidade, porque não é disso que trata a arte.”
Há casos e casos, Raquel. Se bem que em caso contrário, não seria pensão, e sim prisão, que o cara receberia.
Me perdi na parte da prisão rs. Tá falando de Weiwei e afins? É claro que há artistas que se posicionam politicamente, mas aí são outros quinhentos. A literatura tende a perder quando é política –até Cortázar, que era politizado e tratava disso na literatura, sabia que tinha de tomar cuidado com o tom para não perder em qualidade literária.
Sabe como é, Dostô, Thomas Mann, Célanzinho, esses malandros que já foram em cana por suas opiniões, rs. Nisso você tem razão, uma literatura política perde qualidade. Contudo, se investigado a fundo vemos que quase a totalidade da literatura é política por apresentar analogias e mímese que podem ser apreendidas da experiência do autor, o que pode ir de um “The Jungle”, do Sinclair, a um “Revolução dos Bichos”, de Orwell.
Ah, sim. Só acho que é menos sacrifício e mais vontade de manifestar a opinião por acreditar que ela merece ser compartilhada. Assim como Céline também manifestou a sua…
tenho uma dúvida: o que é ser publicado?
com a facilidade tecnológica de hoje, imprimir um livro (com isbn) ficou muito mais fácil.
o número de pessoas que na teoria estaria apto a receber a bolsa é vastíssimo.
como medir a contribuição cultural de cada um? pelos ditames do mercado?
o que é dedicar a vida à literatura? machado de assis e fernando pessoa, por exemplo, tinham um emprego formal e isso não os impediu de estarem entre os grandes gênios da literatura. outros que não são escritores às vezes fazem muito mais pela literatura que estes. não seriam dignos de uma bolsa?
difícil.
raquel, você esqueceu de citar o retiro dos artistas, em jacarepaguá.
Segundo o texto do NYT, tem de ser publicado por “editora reconhecida”, o que também é estranho. E me lembrei do Retiro quando falei de atores na tercera idade, mas não sei bem como funciona. É financiado com dinheiro público? Acho a ideia de um retiro muito triste.
Acho que a medida é um reconhecimento de que, ao contrário do que acontece em outras artes, a literatura dificilmente permite a formação de um pé-de-meia. Sim, eu sei que é possível viver de literatura, juntando a venda de livros com uma tradução aqui, um artigo ali, um cachê para palestra de vez em quando, mas é bem mais complicado que para um músico ou ator.
Que um ator de teatro, que um músico que toca em bar? Eu não diria isso. Você está pensando num ator celebrado de TV ou num músico que lota shows –e daí o comparativo literário seriam os best-sellers!
Em teoria, também não há nada que impeça um trabalhador assalariado qualquer de continuar trabalhando depois dos 65 anos, mas isso não torna injusta a aposentadoria. Um escritor, com ganhos irregulares e imprevisíveis (quando não nulos), que não tenha tido um emprego fixo, com carteira registrada e tudo, não tem como se aposentar pelo INSS (ou similar hermano). Hoje em dia, ainda é comum a previdência privada, mas quantas pessoas com mais de 60 hoje pensavam nisso há 30, 40 anos?
Não sei se essa “bolsa” é a solução ideal — aliás, acho improvável que seja —, mas acho que o problema da ‘aposentadoria’ dos escritores (e atletas, e músicos, e…) é real.
Faltou explicar isso no post, Gabriel, vou lá atualizar: a diferença é que essa bolsa é um “complemento” à aposentadoria, pela qual todos contribuem enquanto estão na ativa. Ou seja, você paga a vida inteira para receber ao se aposentar, seja qual for sua área. Na bolsa, você recebe sem ter contribuído financeiramente em vida para isso. Pode ser bonito, mas a conta da previdência não fecha.