A inédita poesia de Caio Fernando Abreu
01/09/12 12:38Caio Fernando Abreu deve ultrapassar Clarice Lispector em créditos de frases (próprias e alheias) nas redes sociais nos próximos meses. Essa é a má notícia. A boa é que 116 poemas que ele fez ao longo da vida, desde a adolescência, nos anos 60, até duas semanas antes de morrer, em fevereiro de 1996, estarão reunidos pela primeira vez em livro, previsto para outubro.
A notícia saiu hoje no Painel das Letras, e coloco acima o fac-símile publicado apenas na versão impressa da coluna.
A edição é o resultado do belo trabalho da professora Marcia Ivana Lima e Silva, do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que em 2005 recebeu o material de Luciano Alabarse, amigo do escritor. O trabalho já rendeu uma tese de doutorado, apresentada por Letícia da Costa Chaplin, que ajudou Márcia a organizar os poemas e foi orientanda dela.
Como estudiosa de Caio Fernando, Marcia conhecia os pouquíssimos poemas que ele chegou a publicar em suplementos, menos de meia dúzia. Um outro aparece como letra de música em “Onde Andará Dulce Veiga?”. O que a surpreendeu foi a vastidão do material que ele produziu e organizou em pastas (alguns poemas aparecem com até cinco versões diferentes) sem ter optado por publicar, sendo que são tão similares na temática ao que ele produzia em prosa.
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Teria sido isso falta de iniciativa dele ou resultado da dificuldade em se publicar poesia no Brasil? Pode parecer estranho imaginar que Caio Fernando não conseguisse emplacar um livro de poemas, mas essa barreira existiu até depois que ele já era postumamente celebrado.
Antes de oferecer o material à editora Record, Márcia procurou a Agir, então detentora da prosa do autor (agora ela está com a Nova Fronteira, do mesmo grupo Ediouro). A Agir recusou o material, diz ela, porque poesia não vende. A Nova Fronteira acaba de publicar outro livro de inéditos, com crônicas que Caio Fernando escreveu para o Estadão. Não tão inéditas quanto a imensa maioria dos poemas, nunca publicados nem em jornal.
Questionei a editora a respeito, e recebi, depois de fechar a coluna, a informação de que o antigo agente do autor teria pulverizado sua produção, “então, basicamente, a poesia ficou com a Record, a correspondência ficou com a Aeroplano e a prosa com a Nova Fronteira”.
O fato é que a Record teve interesse. Imagino que o material poderia até ter entrado em leilão se fosse oferecido a mais editoras. Mas Márcia é uma professora de literatura interessada em divulgar a obra de Caio, não uma agente em busca de faturamento. Lamento só que a Record não tenha optado por uma edição fac-similar, que sai mais caro, mas permitiria entender todo o processo de criação do autor. Pode ficar para uma próxima. Quem sabe?
só pra constar: tem uma biografia bem legal por aí – “caio fernando abreu: inventário de um escritor irremediável”, da jeanne callegari.
Ainda bem que existem pessoas interessadas tanto em divulgar quanto em consumir! Que estranho falar em consumo…que vida…a realidade.
Acho bastante complicado esse argumento de a poesia não vender, ainda mais tendo em conta que o mesmo grupo das editoras Agir e Nova Fronteira detém também os direitos de publicação da Nova Aguilar, editora que hipoteticamente deteria os direitos de publicação da poesia completa de poetas como Bandeira, Murilo Mendes, Drummond, João Cabral e Ferreira Gullar, dentre outros. Aliás, as edições (caras, bem caras) desta editora escasseiam nas livrarias. Haverá alguma relação com o “poesia não vende”?
A Nova Aguilar não detém esses direitos, ela negocia com as editoras que detêm… E ela, por ter a poesia completa de autores historicamente reconhecidos, consegue vender para escolas e bibliotecas. Não sei se o mesmo aconteceria com Caio Fernando Abreu, que é um autor mais cult. Mas, enfim, isso foi o que a professora Márcia diz ter ouvido deles… Vai saber.
Você tem razão, na verdade, a Nova Aguilar negocia as edições dos chamados “autores consgrados”; tem como modelo a Pleïade francesa. Creio que de autores vivos e atuantes, eles editaram somente os (merecidamente) consagrados João Ubaldo e Ferreira Gullar. Mas, de todo modo, a se confirmar o alegado pela professora Márcia, não é preocupante um conglomerado com uma editora que cuida do nosso patrimônio literário se manifestar dessa forma?
A se confirmar o que ela disse, é preocupante, sim…
Ainda bem que não sai em fac-similar. Iria ser o dobro do preço. Embora… nada se compara a ver as anotações do Caio.
Poderia ter nas duas versões. Sim, fac-similar seria muito mais caro.
raquel,
esperar qualquer coisa da record além dum 14×21, puro texto, capa com duas cores, uma pro fundo e outra com letras visíveis do título e do autor, seria muito.
parecem ter horror a qualquer coisa mais elaborada.
Comentei com a Marcia que ela teria conseguido uma edição fac-similar na Cosac, por exemplo, mas, como ela mesma ressaltou, ela é só uma professora querendo divulgar a obra do autor. Melhor sair simples que não sair…
e uma pena que nao se valorizam as poesias
tenho poemas lindos de um irmaõ~falecido
que tambem era jornalista
Se os poemas têm a qualidade desse aí, não merecem ser publicados mesmo.
Disseram a mesma coisa da pedra no caminho de Drummond…
O que leva a uma discussão interessante. O quanto o nome do autor pesa na avaliação da arte/poesia ?
A poesia acima, não fosse Caio Fernando Abreu, provavelmente seria confundida com alguma gracinha escrita em porta de banheiro.
Assim como versos de vários outros poetas renomados. Li mais uns três poemas desse livro (não tenho autorização para postar tudo na íntegra, creio), achei bons. Digo, bons para quem já gosta da temática de Caio Fernando e da forma como ele aborda seus temas de interesse