Uma Feira de Frankfurt atípica, especialmente para brasileiros
15/10/12 08:18Foi uma Feira de Frankfurt atípica a que terminou ontem aqui na Alemanha, segundo todos os editores com quem conversei. Como foi minha primeira vez no evento, o maior do mercado editorial no mundo, eu não saberia dizer.
Para mim, o que chamou a atenção foi o mundo que aquilo é. A comparação característica de cursos de jornalismo informa que o espaço onde ficam os oito pavilhões temáticos corresponde a 14 campos de futebol. Agora imagine 14 campos de futebol dispostos num labirinto, no qual se você sai do lado errado terá de atravessar todo o campo de volta até chegar àquele que o interessa, ou a outro errado. Meu senso de direção não ajudou muito.
O atípico, segundo editores, foi o fato de ter estado bem mais vazio que de costume antes do fim de semana, quando a feira é aberta ao público geral –nos outros dias, fica aberto só a profissionais do mercado. Já vinha esvaziando ao longo dos anos, mas desta vez, disseram eles, chamou mais a atenção. Eles creditam isso à crise prolongada na Europa e ao fato de as editoras terem sido compradas umas pelas outras na década passada.
Na sexta à tarde, já estava com certa cara de fim de festa. Editores pagam multa se desmontam os estandes antes do fim da feira, mas vários preferiram isso ou simplesmente abandonar os livros a ter de ficar lá nos últimos dias, quando os negócios entre editores são mais fracos.
Foi atípica também a postura de uma parcela dos editores brasileiros participantes. Presentes à feira em outros anos apenas em busca de grandes sucessos estrangeiros, neste ano editores também queriam vender o seu peixe.
É preciso esclarecer, para que ninguém fique com a impressão de que o mundo está deslumbrado com a produção brasileira: apenas uma minoria das editoras presentes à feira conseguiu realizar boas vendas, embora na média tenha sido um ano bom para brasileiros, considerados os padrões. Editoras como Record, Companhia das Letras e Callis vieram a Frankfurt neste ano com foco nas vendas (as duas primeiras também se empenharam nas compras), enquanto outras grandes, como Globo, Sextante, Intrínseca, seguiram o tradicional modus operandi de apenas adquirir candidatos a best-sellers.
Também entra nessa conta o fato de a literatura produzida no Brasil ser pouco comercial, que é justamente o centro de tudo em Frankfurt. O total de direitos vendidos por todas as editoras brasileiras não chega a um décimo do valor pelo qual a Random House comprou um único título americano, “Not That Kind of Girl”, de Lena Dunham, atriz e roteirista da série “Girls”. Este foi comprado por US$ 3,5 milhões, enquanto pelos cálculos iniciais (23% dos formulários respondidos) as vendas das editoras brasileiras no intervalo de um ano, considerando as conversas iniciadas em Frankfurt, devem ficar em torno de US$ 200 mil.
De todo modo, autores como Daniel Galera, Michel Laub, Carola Saavedra e Alberto Mussa conseguiram inclusive ultrapassar a difícil barreira do mercado de língua inglesa, pouco afeito a títulos traduzidos.
A literatura feita no Brasil ainda não é um hit, mas com certeza anda mais cotada que nos últimos 30 anos. A Granta com brasileiros, o programa de traduções de brasileiros no exterior, oferecido pela Biblioteca Nacional a editoras estrangeiras, e o fato de o Brasil ter sido o “país que acontece” em termos econômicos nos últimos anos decerto têm influência nisso.
PS: para quem não acompanhou, escrevi sobre a feira na “Ilustrada” ao longo da semana: a participação do Brasil, a inusitada presença de Schwarzenegger, o desprezo de editores sobre Mo Yan antes do anúncio do Nobel, a iniciativa de três editoras infantis brasileiras de figurar entre as maiores do mundo no pavilhão de língua inglesa e o balanço final. A coluna Painel das Letras, no post abaixo, também foi quase toda dedicada à feira.
“— Ficamos chocados e desnorteados com as notas zero e meio de Ana Maria Machado — reconhece José Luiz Goldfarb, curador do Prêmio Jabuti, descartando a possibilidade de anulação do prêmio. — Não me senti confortável em questionar o voto do jurado C após a apuração. Se crio uma regra e dou a ele as cédulas para votar, não posso questionar a soberania de um voto feito dentro do regulamento. Dar as notas que bem entender é um direito do jurado, ainda que como curador eu não concorde com a estratégia que ele adotou. Não considero o jurado C adequado ao prêmio, ele usou uma falha minha e abusou do poder que tinha. ”
se fosse o carnaval e a beija-flor…
Vamos lá, tema do próximo post.
É compreensível que Sextante e Intrínseca foquem em compra de títulos: no Brasil, estão voltadas justamente para a tradução de títulos de sucesso. Em parte, a Globo é exceção já que vem reeditando bons livros, mas ainda assim não investe em autores brasileiros que ainda produzam; e, ao que parece, Hilda Hilst, por exemplo, não é traduzida fora por iniciativa da editora…
Pois é, a Hilda poderia ser mais bem aproveitada. Monteiro Lobato também, acho que as histórias dele são meio universais. Mas Hilda teve livros traduzidos nos últimos meses e deve ter ainda mais em breve, se tudo der certo –mas daí o mérito será especialmente do herdeiro, que está investindo na divulgação da obra dela.
“Editoras (brasileiras) como X, Y e Z vieram a Frankfurt neste ano com foco nas vendas”. Isto quer dizer: lixo e mais lixo para breve. Como se já não bastasse o monturo com que entopem as livrarias atualmente.
Em muitos casos, é sim.
O será que os integrantes da escola de Frankfurt pensariam a respeito dessa feira? rs. Principalmente Walter Benjamin
rs, pois é.
Fui à Feira de Frankfurt em 2007 e o maior impacto é ver como o livro é um negócio levado a sério por lá. As agendas são lotadas e quase tudo que vai acontecer na literatura mundial nos próximos anos (traduções, publicações, etc) é decidido nesses quatro dias. Há um senso de profissionalismo que ainda não chegou por aqui.
Pois é. Hoje acho que mudou um pouco por causa de negócios resolvidos antes pela internet. Mas está tudo meio relacionado. Também me chamou a atenção o fato de ser quase nada literário. Tudo é business.
Também foi a minha primeira vez na feira e tive os mesmos problemas em relação ao senso de direção e tudo mais. Só fui no sábado, quando estava aberto ao público, com a esperança de tentar fazer contatos para, quem sabe um dia, publicar um livro. (Sim, acho que costumo me alimentar de sonhos todo café da manhã.) 🙂 Só sei que foi uma delícia me apropriar dos livros abandonados, ver palestras de autores e ouvir português brasileiro para todo lado 😀 A tradução para o alemão podia ser um pouco melhor, mas entendo que seja difícil traduzir pessoas com tendência para reflexões poéticas. No dia seguinte, depois de percorrer os 14 campos de futebol com a mesma trajetória lógica de uma formiga num tapete de palha, não conseguia quase andar. Mas, tudo vale a pena se a alma estiver cheia de literatura!
😉
Mundão, né? Achei bem cheios os eventos brasileiros no fim de semana…