'O bichinho carrega nas costas mais do que deveria', diz curador do Jabuti
23/10/12 18:17Eu sei, eu sei, são muitos posts seguidos sobre o assunto. Mas fiquei devendo a resposta da organização do Prêmio Jabuti ao comunicado da Objetiva sobre as notas zero que o jurado C atribuiu ao romance “Infâmia”, de Ana Maria Machado. Segue a conversa que tive com José Luiz Goldfarb, curador do prêmio há décadas e um defensor da causa do livro no país.
Update no dia 24: ontem não podia postar aqui, mas o Paulo Werneck, editor da “Ilustríssima”, desvendou a identidade do jurado C: é o crítico e editor paulista Rodrigo Gurgel, que escreve no “Rascunho”. Está na Folha de hoje, acompanhado por um textinho meu revelando o curioso modus operandi de Gurgel, que na segunda fase deu notas zero para livros que três semanas antes, na primeira fase, tinham recebido notas altas dele mesmo.
E mais update no dia 24, porque não aguento mais fazer post sobre Jabuti: questionaram nas redes sociais o fato de o Rodrigo Gurgel se apresentar como editor associado” da LeYa, sendo que as regras impedem que os jurados tenham vínculo com editoras. A LeYa informa que Gurgel fez leituras críticas para a editora entre 2010 e 2011, sem cargo fixo. De todo modo, em 2010 e 2011 Gurgel já era jurado do Jabuti. E será possível arrumar quase cem jurados sem ligação com editoras num prêmio voltado ao mercado editorial?
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É o terceiro ano seguido com o Jabuti envolvido em polêmicas. Como avalia isso?
Pois é. No ano retrasado, tivemos o Chico Buarque, segundo lugar na categoria romance, eleito o livro do ano. O regulamento permitia, já tinha acontecido outras vezes, mas a polêmica nos fez rever o regulamento. No ano passado houve uma quantidade desagradável de finalistas que, pelas regras, não poderiam ser finalistas. Do ponto de vista de um prêmio é melhor desclassificar do que manter o erro, mas foi ruim terem sido vários casos.
Eu estava extremamente contente neste ano. Instituímos a comissão de curadores, que foi boa para eliminar obras que não deveriam estar participando. Quando saiu o resultado da primeira fase, como não eram mais centenas de livros concorrendo por categoria, fiquei tranquilo. A apuração da segunda etapa estava quase terminando quando pintou o jurado C. Mantive a frieza e a firmeza de que voto é voto e ninguém pode questionar se estiver dentro das regras. A reação de jornalistas e editores, na hora, foi de estranheza. Houve um zunzunzum de que seria anulado. Fiquei chateado com textos dizendo que a votação tinha de ir para o Supremo, coisas do gênero. A força do Jabuti é a contagem dos votos ser toda aberta.
Acha que problemas do gênero prejudicam a relevância do Jabuti?
Como curador, não gosto de ver isso acontecer. É claro que problemas no Jabuti extrapolam minha carga horária de Jabuti, que é só uma das minhas atribuições. Mas as pessoas entram numa maré de que tudo é melado no país e, na verdade, nos três casos de polêmica, nada foi ilegal, nada foi maracutaia. Nenhuma das polêmicas pôs em questão a lisura do prêmio. Aliás, a polêmica do jurado C só veio à tona porque os votos são abertos.
Por que mudaram a regra que limitava a nota mínima 8 na avaliação dos jurados?
Por muito tempo, a nota foi de 0 a 10. Não lembro como mudou, nunca tinha acontecido algo assim, mas em algum momento ficou resolvido que seria de 8 a 10. Passei a receber de jurados o pedido de que isso fosse ampliado, que 8 a 10 era uma margem pequena para avaliação, e aconteceu de jurados darem notas abaixo de 8 e terem seus votos anulados.
Num momento, talvez, de ingenuidade minha, não lembrando que alguém poderia usar isso para votar de forma muito pesada… Não houve uma reflexão muito detalhada, a gente achou, na confiança, que com uma margem maior dava para votar com mais critério. O que aconteceu foi que a gente abriu a possibilidade para que acontecesse o que de fato aconteceu.
Agora, se houve algum problema de ordem ética no Jabuti 2012, se você vier me perguntar, eu respondo: não, nenhum problema. Não fiquei satisfeito com a atitude, mas o jurado C tinha direito. Quando a gente divulgar quem é, vocês vão ver que é uma pessoa excelente. Vão descobrir que é alguém conhecido, que já publicou, que escreve algumas coisas muito importantes.
Você disse uma vez que evita repetir jurados, mas afirmou que o jurado C já esteve no júri outras vezes. Como funciona isso?
Depende da disponibilidade. Muita gente, por estar envolvida na área, comprometida com alguma editora, não pode estar no júri. Muita gente se oferece, manda currículo, informa que gostariam de ser jurado. O principal ganho não é a remuneração, que é pequena. O que é atrativo é a possibilidade de colocar no currículo. A gente evita repetir jurados, mas não é a regra. Se um jurado aceita e depois recebe um convite para ir ao exterior, justamente por serem pessoas importantes na área, a gente é obrigado a substituir. Então a gente recorre a quem já conhece a dinâmica, alguém que cumpriu os prazos quando participou outra vez, e convida. Essa é uma operação que exige rapidez nas decisões.
Por que os jurados não podem ser revelados ainda, se a votação final não depende só deles, mas principalmente dos votos dos membros da Câmara Brasileira do Livro?
Ate o dia 28, estamos num processo de eleição dos livros do ano. Agora é aquele grande colegio eleitoral, em que recebem a célula tanto os jurados quanto os membros da CBL. Se um jurado for entrevistado, pode influenciar o resultado desse processo.
Por que o mercado vota? Isso não reduz o caráter literário do prêmio?
Quando assumi a curadoria do Jabuti, 20 anos atrás, não havia prêmio em dinheiro. Naquela época, li uma entrevista com o Paulo César de Souza, que tinha ganhado um Jabuti em tradução, em que ele dizia que “um chequinho não iria mal”. Quando me convidaram, falei que aceitava ser curador na condição de que se começasse a remunerar os jurados e os vencedores. A CBL, mas fez uma contrapartida: os jurados escolhem os vencedores, e o mercado faz a votação final. O Jabuti nem cobrava pelas inscrições, ou cobrava um valor simbólico, mas hoje é o mercado que banca quase todo o Jabuti. A questão é que hoje o mercado participa da decisão, mas, antes disso, o júri garante a qualidade das obras que serão votadas na etapa final.
No comunicado de ontem, a Objetiva fez duas perguntas. Uma dela foi se, ao votar na segunda fase, o jurado C sabia os votos dos demais jurados na etapa anterior.
Uma coisa importante é que os jurados não só não são conhecidos pelo público como não são conhecidos entre si. Em outros prêmios, os jurados se juntam, influenciam os votos uns dos outros. Se o jurado C acompanhou a votação da primeira fase, que é aberta, ele poderia saber as notas dos finalistas. Mas nem todos os livros que foram para a segunda fase foram votados pelos três jurados na primeira etapa, então ele não teria como saber a nota que cada jurado daria a cada livro. Ele foi esperto. Provavelmente elaborou vários cenários para votar. O voto dele foi certeiro. Ele definiu a posição tanto daqueles que ele quis diminuir quanto dos que quis jogar para cima. Agora, é duro acreditar que Ana Maria Machado o desgostou tanto a ponto de merecer um zero, isso me deixa chateado como curador.
A segunda pergunta é se ele também deu notas baixas a ela na primeira fase.
Os jurados não dão nota para todos os 142 livros. Cada um deles escolhe dez que acha que valem a pena e atribui notas apenas a eles. Os dez mais bem pontuados vão para a segunda fase. O jurado C não votou na Ana Maria Machado na primeira fase. O que acontece muitas vezes, e que acho legal, é que um jurado na primeira fase pode não ter prestado atenção num livro, mas os outros dois votaram nele e ele foi para os finalistas. Uma vez tendo o livro entre os finalistas, o jurado que não votou nele antes poderá avaliá-lo com outros olhos.
Você conversou com o jurado C para tentar entender esses votos?
Não falei e não quero falar. Se eu falar com um jurado antes do resultado final, pode parecer pressão. Vamos tirar a curiosidade no dia 28.
Qual você acha que foi a intenção dele?
Acho que foi o que você escreveu no blog, ele quis privilegiar o desconhecido. Os números levam a crer que ele bombou os consagrados e avaliou muito positivamente as revelações. Mas é preciso tomar cuidado com uma coisa: alguém pode ficar com a impressão de que ele escolheu uns livros chinfrins e usou seu poder para beneficiá-los, mas não foi isso. Os livros que receberam notas altas dele também foram muito bem avaliados pelos outros dois jurados. O “Nihonjin”, se não fossem as notas baixas para Ana Maria Machado, Wilson Bueno e Domingos Pellegrini, ficaria em quarto lugar. Isso numa avaliação que partiu de 142 livros.
Cada jurado na categoria romance recebeu mais de cem livros para avaliar num intervalo de poucos meses. Acha mesmo que eles conseguem ler tudo? [Leia depoimento de um jurado, publicado em 2009, link que me chegou via Silvio Alexandre]
Os jurados têm absoluta liberdade, recebem os livros e têm em torno de dois meses para escolher os dez aos quais atribuirão notas. Não posso dizer se todos leem todos, mas espero que tenham contato com todas as obras. Como você escreveu, é claro que o fato de um escritor ter uma história pode influenciar. Em vários prêmios há uma coincidência de resultados, os júris tendem a votar em quem já conhecem. É um problema universal, o ser humano disponível para ser júri de prêmios literários no planeta Terra tende a ser influenciado pelo nome das pessoas (risos). Nem que seja por dedicar mais tempo à leitura daqueles que conhece.
O que você achou do resultado do prêmio?
Olha, fico triste com a maneira como aconteceu, mas posso dizer que eu, Zé, pessoalmente, fico feliz de ver revelações ganhando prêmios. Para o autor consagrado, como você escreveu, será só mais um na casa ele. É importante olhar para o escritor que ainda não está sob os holofotes e que pode vir a ser influente na literatura brasileira.
Quando houve a polêmica do Chico, veio à tona o fato de o prêmio ter categorias demais. Daí, em vez de diminuí-lo, no ano seguinte vocês criaram mais categorias, elas passaram de 21 para 29. Você não acha que o Jabuti deveria ser mais enxuto?
Olha, acho que o bichinho carrega nas costas mais do que deveria. Minha vontade como curador é, na medida do possível, diminuir. Esse aumento ocorreu quando se decidiu que ia ganhar só o primeiro lugar, então resolvemos aproveitar para cobrir uma demanda de outras áreas que não eram premiadas. Porque há uma pressão das editoras que editam naquela área. Para 2013, é bem provável que a gente reavalie para ver quem está merecendo ser categoria ou não. Agora, é preciso levar em conta que é um prêmio do mercado, tem que contemplar capa, ilustração, fotografia, categorias que um prêmio puramente literário não tem que carregar nas costas.
Embora lúcida, a entrevista transborda em vitimização. Entendo que é hora de fortalecer o prêmio, fazer um regulamento que não dê brechas a tanto questionamento. Lembremos Oswald, no Manifesto Antropofágico: “Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti”.
Wilson, o Paulo Werneck fez uma boa análise sobre o caso na Ilustrada de hoje: “A CBL é um PMDB editorial: acomoda interesses inconciliáveis e promove reformas cosméticas para que tudo siga igual” http://folha.com/no1175976
“Agora, é preciso levar em conta que é um prêmio do mercado…”
Se é um prêmio de mercado, por que não premiam então os livros que mais vendem e que estão fazendo sucesso?
Por que se pretendem como um prêmio no qual o mérito literário supostamente valeria mais?
Pois vendagem são dados inequívocos e (quase) incontestáveis, já mérito literário…
É, acho que a avaliação do mercado é a de que um lustro literário cai bem no prêmio de mercado…
Ou seja, há aqueles livros sem valor literário algum que as editoras publicam para ganhar dinheiro, e há aqueles livros literários elitizados, mas que dão status para as editoras (reconhecidos pelo Jabuti e por outros prêmios congêneres).
É mais ou menos isso?
É mais ou menos isso.
Sei que o forte de vocês (imprensa, críticos, blogueiros) não é matemática, mas só pra esclarecer, dar 0 numa escala de 0 a 10 é exatamente o mesmo que dar 8 numa escala de 8 a 10, o que deve ter acontecido às pencas quando esse era o limite. E ninguém reclamava.
Sei que vocês comentaristas são engraçadinhos, mas dar 8 numa escala de 8 a 10 não eliminava ninguém, e dar 0 numa escala de 0 a 10 elimina.
Acho normal dar notas baixas para autores conhecidos, se o jurado quiser, mas o zero é que incomoda. Porque zero significa que nem é uma obra literária, ou nem é um livro. Por isso falei que é então preciso limitar as inscrições de alguma maneira para deixar que se descubram novos talentos. Quem sabe criar uma categoria só para os consagrados?
Numa das vezes em que fui jurado (fui 3 vezes), o que tirou 2º lugar merecia a meu ver o 1º. Mas não teve isso de um dar 10 e 9,5 e o outro 0. “Perdi”, mas, se soubesse de um zero, iria protestar. Porque dar zero nesse caso é dizer que os outros são burros ou injustos. Concordo que, se jurados não lerem livros de novos autores pode haver injustiça. Mas também pode ser que autores consagrados continuem melhores. Nesse caso, se quiserem dar chance, deveriam proibir inscrição de autores consagrados ou de quem já se inscreveu antes e ganhou. Acho o ocorrido deste ano um escândalo, inclusive porque nunca se disse que voltaram a ter notas abiaxo de 8. Era mais coerente isso, porque um livro abaixo de 8 nunca seria finalista.
Boa argumentação, Adail
Obrigado. Tua entrevista “demarcou” todos os pontos relevantes.
Não pode haver obra finalista que mereça Zero! O que é Zero em literatura? Ainda mais que os outros dois jurados deram 10 e 9,5! Uma disparidade desta pode estar prevista, mas é muito estranha. Em outros anos do Jabuti, não se dizia quem dava que nota, mas quem era jurado. Este ano vão divulgar os nomes e as notas?
Muito lúdica e coerente a posição do curador Goldfarb. Só espero que toda essa polêmica sirva para aperfeiçoar as regras e melhorar a qualidade do julgamento do Jabuti. O que queremos, de fato, é reconhecê-lo como o principal prêmio literário do país. Parabéns, Raquel, pelo seu ótimo trabalho jornalístico.
=).
Alguém comentou comigo por e-mail, dia desses, que o Jabuti sempre dá um jeito de brilhar mais que os livros premiados. O que me impressiona, particularmente, é o meio editorial brigando por uma estatuazinha feia. Será que um livro com prêmio Jabuti vende mais? Ou será que é por puro desejo de consagração simbólica que as editoras ficam com esse mimimi? O que você acha, Raquel?
A polêmica já é mais tradicional que o prêmio. E certamente vende mais que ele =)
tenho uma amiga que trabalhou numa editora reconhecida no país.
lá, ela tinha de recusar originais de livros de contos, por exemplo, pois queriam apenas romances, “para ganhar um jabuti”, ela dizia.
talvez a questão não seja vender um título específico (o vencedor do prêmio), mas o prestígio que isso acarreta.
Jesus, o que será um livro “para ganhar um jabuti”? “acrescente três doses de personagens ambivalentes, coloque duas colheres de…”
O fato de os jurados não lerem todos os livros, escolhendo apenas dez, explica por que quase sempre ganham os autores e editoras mais conhecido. Os critérios do Jabuti infelizmente são mais do que ruins, são ilegítimos e suspeitos, favorecem apenas as editoras ricas e tradicionais. Além disso,em vez de diminuir, aumentaram as categorias de premiação, simplesmente para FATURAR mais…
A conclusão a que cheguei é a seguinte: Quem tem C tem medo.
=)
Aliás, pensando melhor, eu duvido muito que João Gilberto Noll teria saco pra ser jurado de prêmio. Foi um devaneio meu.
Acho que deve ser alguém da crítica mesmo… =/
Não manjo nada de jurados de prêmios literários, mas achei tão Marcelino Freire a pendenga toda, sei lá. Acho que ele seria um cara com coragem pra fazer isso. Seria sonho se fosse João Gilberto Noll, mais pela ironia dele. O que você acha? (você não vai tirar do baú dos clichês um post como “façam suas apostas”?)
Aliás, achei lindo o que jurado C fez. Talvez não seja a intenção dele, como você disse, mas que ele causou bastante discussão sobre a parada toda, causou, não há dúvida.
Haha, outra pessoa já me falou do Marcelino, mas acho que ele é tão gente boa que nunca prejudicaria ninguém, nem que fosse para beneficiar gente que ele acha que merece uma chance. Eu não vou tirar do baú dos clichês esse post, já fiz isso com a Granta (rs), mas, olha, a leva de nomes que recebi me faz ter dimensão de quem anda com fama de causador no mercado editorial =)