"O mau livro não fica --um romance demanda tempo", diz Isa Pessoa sobre nacionais
14/02/13 14:16O começo dos anos 2000 não foi bom para autores brasileiros de ficção. No momento em que nosso mercado mais se profissionalizou, com players internacionais comprando nacos de editoras locais, estruturas se tornando menos familiares e livrarias cobrando por espaço, perdeu quem não tinha alto potencial de vendas. No limiar do estereótipo, a disputa entre o vampiro hollywoodiano e o autor brasileiro a gente sabe quem ganhou.
O ano que começa traz indícios de um movimento contrário. Nenhuma grande editora vai desistir de seus best-sellers, mas é digno de nota que mesmo as que faturam bem, obrigada, com a fórmula conhecida queiram ampliar catálogo nacional. Ainda que seja em parte curioso reflexo de anterior interesse internacional. Foi tema de reportagem que fiz para a Ilustrada de hoje.
A Isa Pessoa, diretora editorial e dona da Foz, ficou conhecida, nos anos 90 e 2000, como diretora editorial da Objetiva, justamente pelo investimento em nacionais –especialmente por colocá-los nas listas de mais vendidos, algo que virou exceção da exceção.
Cheguei a mandar perguntas a ela para a reportagem, mas vi as respostas tarde demais. Respostas muito boas, de quem conhece a edição e o mercado. Estão aí.
***
Você criou a Foz com foco na produção nacional contemporânea, certo? Que obras ficção de autores em atividade já estão planejados para este ano?
Sim, o foco é esse. Para este ano estão programados o novo romance de Tatiana Salem Levy, “Maranhão”, e o de Paulo Scott, “O Ano em que Vivi Só de Literatura”.
Estão planejados. Todos trabalhando para isso. Mas, se o autor não considerar sua obra suficientemente acabada, para publicarmos com todo cuidado necessário em 2013, não iremos apressar o lançamento em função de uma oportunidade do mercado, para o fim de ano ou alguma feira literária, por exemplo.
Já vi esse filme, não funciona: depois tudo passa, e o mau livro não fica. Um romance demanda tempo para ser escrito, editado, e durar.
Na Objetiva, você era conhecida pelo seu trabalho com autores nacionais. Agora, chega um momento em que outras grandes editoras estão demonstrando mais interesse na produção de ficcionistas contemporâneos. O que aconteceu, de um, dois anos para cá, para levar a esse movimento?
Não consigo imaginar ambição mais bela, como editora brasileira, do que publicar autores nacionais que vendam bem, que cheguem às listas, sejam lidos e queridos pelo público –e pela crítica também, aí a gente chega perto do paraíso.
Foi o que aconteceu, por exemplo, quando publicamos a coleção Plenos Pecados, na Objetiva, e por alguns anos os autores brasileiros ocuparam a lista de ficção, às vezes cinco ao mesmo tempo (Ubaldo, Verissimo, Torero, Noll, Zuenir). Mas isso aconteceu do final dos anos 1990, até 2000. Depois, não me lembro de tantos escritores nacionais irem para a lista ao mesmo tempo.
De dez anos para cá, os estrangeiros passaram a dominar as vendas, como sabemos, os índices de nosso mercado traduzindo o que acontece mundo afora, enfim globalizados “comme il fault”. As tiragens de ficcionistas brasileiros minguando, com exceções louváveis nessa fase comercialmente ingrata para os autores nacionais.
A disputa internacional pelos autores e por séries de sucesso do livro que vira filme esquentou nosso mercado no início do milênio: todo mundo querendo o novo cachorro, o novo vampiro. E o autor brasileiro ofuscado, sem atenção do marketing das editoras, vendendo pouco. Mas um editor também precisa dos prestígio dos prêmios literários, da presença midiática na Flip –o que aguçou nos últimos anos, a meu ver, a busca por brasileiros que ocupassem esse lugar, ampliassem essa pesquisa por ficcionistas talentosos, de preferência jovens.
Vale ressaltar, nesse contexto, a compra de livros pelos programas governamentais, incluindo regularmente a ficção brasileira, que passaram a representar uma saída comercial para a publicação de autores nacionais de qualidade.
Em geral, a ficção nacional não entra na lista de mais vendidos. Acha possível, sendo realista, que esse cenário mude nos próximos anos?
A ficção nacional pode atrair mais leitores, sim, não tenho dúvida disso. Quando a editora investe mais na campanha de lançamento de um livro, e esse livro é bom, condição “sine qua non”, ele pode alcançar patamares maiores de venda do que se fosse lançado numa baixa tiragem, sem atenção da mídia, do editor, dos livreiros.
Prêmios literários, presença na Flip etc. são fatores determinantes na divulgação do nome do autor junto ao público, o que contribui para o círculo virtuoso, quando o livreiro dá mais atenção ao livro, e o consumidor também. Mas, se o livro não consegue o bom boca a boca, esqueça. É isso, no frigir dos ovos, que fará o livro vender mesmo, superar uma carreira regular, modesta, e alcançar a lista dos mais vendidos.
Claro que um autor nacional consegue escrever esse livro, por isso precisa de tempo para fazê-lo, de competência, de diálogo com o editor, de condições financeiras para tanto, de divulgação qualificada etc. Isso custa caro, e o editor precisa investir, naturalmente se o livro convencê-lo.
Como você seleciona autores para a Foz? É diferente hoje de como era quando você selecionava autores para a Objetiva, pensando, por exemplo, no maior número de agentes literários hoje em atividade no país?
A oferta é muito grande. Hoje talvez maior ainda, tendo em vista –também– o maior número de agentes literários. Todo dia recebo pelo menos um original novo para avaliar.
São basicamente os mesmos critérios de avaliação, ainda mais rígidos, na verdade, em função de um cronograma enxuto –a qualidade do texto, o potencial do autor, sua disposição em trabalhar junto com o editor, esculpir esse texto, esgotar todas as chances de aprimorá-lo.
Acho que me tornei uma editora mais exigente, sim, em função de um novo projeto profissional.
Só dela afirmar o interesse em deixar o escritor produzir “a seu tempo”, e propor o diálogo com o autor, louvo a exceção da regra. Parabéns a ambas!
o mau livro não fica?
péssimos romances ficaram e ótimos livros passaram, não?
a qualidade literária da obra, somente, não é fator de garantia para a posteridade.
às vezes, escrever um romance pior e aproveitar a oportunidade de mercado é o que fará a obra ficar.
mas isso tudo se a literatura como conhecíamos ainda existir amanhã.
Não acho, t. Ficar no sentido de ser lembrado pelos leitores, de ser indicado a amigos; não diria que a oportunidade de mercado fará isso!
Sugiro uma atenção especial também à produção e publicação dos autores brasileiros de ensaios. Temos diversos livros de não-ficção sendo publicados no exterior, boa novidade.
É, acontece, embora o número de ensaios publicados no exterior ainda seja muito inferior ao de romances. Nossa não ficção vende mais aqui e menos lá fora. Não que nossa ficção venda muito lá fora! Beijo
Oi Raquel
Para mim, um bom livro não significa somente a história. Às vezes não gostei de um final, por exemplo, mas gostei muito do livro pela construção dos personagens, pelo enredo, pela vontade de continuar lendo pois sei que ali na frente terá alguma surpresa. Eu leio também livros de autores nacionais e me encantei com vários deles. Um abraço
Excelente entrevista. Dois momentos me chamaram a atenção: a citação da coleção Plenos Pecados e a afirmação que o escritor precisa de diálogo com o editor. No primeiro caso, vale lembrar que a coleção foi uma ideia da editora e que, tenho certeza, os sete livros soltos não teriam vendido nem uma fração do que venderam dentro de uma coleção bem pensada. No segundo caso, aparece mais uma vez o papel do editor, em dialogar e apoiar o escritor antes mesmo da publicação. E olhando estas duas coisas, acho que o que falta no Brasil, não são bons escritores, mas bons editores.
E o que são bons editores? São aqueles que buscam os melhores livros para seus leitores – não o contrário – e que sabem embalar os textos de uma forma atraente ao seu leitor, que sabem convencê-lo de que aquele é o melhor livro para ele, tornando o livro um objeto de desejo. Um bom editor não fica reclamando do leitor, querendo mudá-lo, mas trabalha os livros em que acredita para que sejam melhores produtos e, assim, se viabilizem e conquistem os leitores.
Uma última observação: publicar autores nacionais é fundamental porque com a globalização digital do mercado editorial, só as editoras com acesso às fontes primárias de conteúdo é que terão um lugar ao sol no futuro. Não é à toa que a Intrínseca está deixando de ser uma fábrica de traduções.
E parabéns a Isa Pessoa! Que ela consiga editar de forma atraente os bons livros que os leitores querem!
Sim, Carlo, o argumento de fontes primárias é importante também! Não coube no meu texto (haha), mas era para estar lá, junto com o argumento do interesse estrangeiro –a importância é justamente ter a fonte primária para mais para frente, já que, por ora, as traduções para o exterior rendem muito, muito pouco para as editoras.
Creio que a Isa Pessoa está a cavaleiro (a) para traduzir o que se passa no mercado literário em relação aos autores brasileiros. Estamos vivendo uma fase em que se a obra não tiver um apelo para a sua leitura, apelo no bom sentido, e não apelativo, ela não vai jamais estar na lista dos mais vendidos. Isto não quer dizer que ela não tenha atrativos como conteúdo literário, mas fica restrita a um pequeno público. A literatura estrangeira de boa qualidade, não necessariamente os blockbusters, tem nos chegado com ótimas surpresas, como por exemplo A Visita Cruel do Tempo, de Jennifer Egan, vencedora do Pulitzer. Na não-ficção está aí a magnífica biografia de Van Gogh. Enfim, se já ocupamos espaço com nas listas dos mais vendidos há 20 anos, posso acreditar que há potencial para reocuparmos este espaço.
Cara Raquel, tudo bom?
Convido para dar uma olhada em meu blog. Sim, buscar um espaço nesse meio é realmente muito difícil, mas também acredito que haja muita reclamação e pouca ação, por parte dos próprios escritores.
Vejo tantas pessoas reclamando, que chega a ser irritante! É difícil? Eu que sei. Há anos tento “ganhar” as editoras com meu romance, porém, o espaço precisa ser domado, conquistado, com muita luta, suor e lágrimas. Publiquei um de poesias em agosto do ano passado. A luta vale a pena.
Sua fala: “…haja leitura e releitura e autocrítica antes de oferecer um livro para publicação” faz todo o sentido.
Como no dito popular: há muito cacique para pouco índio!
À luta!
Beijos,
Jeam
Concordo com tudo: luta, suor e lágrimas. E menos lamento e teorias da conspiração!
Muito interessante esta entrevista com a Isa Pessoa, no entanto, sempre que ouço esta história que agora tudo vai mudar, que enfim o mercado dará atenção à ficção nacional (pois dá prestígio), e vejo ao redor toda a legião de ótimos escritores espalhados em blogs, em publicações independentes, em ezines, alguns até com um considerável número de leitores no “mundo virtual”, penso que vivemos três realidades distintas.
1 – dos best-sellers estrangeiros,
2 – de um grupinho fechado de autores nacionais (alguns ocupando merecidamente este posto, outros nem tanto),
e
3 – todo o restante dos autores que não conhecem ninguém influente, que estão isolados fora dos grandes centros, ou que são pura e simplesmente ignorados pelas editoras, por qualquer razão seja.
O que vemos nas livrarias é somente a ponta do iceberg e, posso dizer sem medo de errar, que o melhor da literatura ainda está submerso, suplicando por uma brecha nesta grossa crosta de gelo do mercado.
Já acreditei um dia que o que era bom viria naturalmente à tona, hoje já não sou tão otimista.
Abraços.
Você lê esses ótimos escritores espalhados em blogs e não publicados? Me dá alguns nomes? Para eu conhecer.
Sobre autores sendo ignorados por editores, por qualquer razão que seja, eu diria que é porque editores recebem uma média de 200 originais não solicitados por mês (isso só considerando os não solicitados), e o excesso de material que não vale publicação acaba fazendo os realmente bons se perderem.
Com prazer, Raquel 😀
A começar pela própria Revista SAMIZDAT (www.revistasamizdat.com), na qual tentamos reunir o melhor do que encontramos (ou que nos aparece).
E para citar alguns:
Andréia Pires – http://www.desolaseasas.blogspot.com.es/
Cinthia Kriemler – http://palavrasabracadas.blogspot.com.br/
Marcelo Soriano – http://oescrevivente.blogspot.com.br/
Luis Sprotte – http://contosbudapestinos.blogspot.com.es/
e o da minha favorita, a portuguesa Maria de Fátima Santos – http://intervalos.blogspot.com.es/
Mas há vários outros, sem contarmos os que escrevem gêneros mainstream (nos EUA), como FC, Terror ou Fantasia, mas que não encontram espaço porque nos habituamos a importar este tipo de produção.
Abraços.
Boa, tks! E ultimamente tem tido muita editora publicando fantasia, terror e juvenil nacionais, sim! Já descobriram esse filão. beijo
Hahaha! Isso é verdade, também. Autocrítica e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém. 😛
É, os comentários da Isa Pessoa confirmam o que os novos autores nacionais já estão carecas de saber e procuram um lugar ao sol: divulgação, divulgação! E haja eventos, e haja noites de lançamentos, e haja bate-papos literários e corpo a corpo com os livreiros e blogues literários , né?
Sim! E haja leitura e releitura e autocrítica antes de oferecer um livro para publicação. Para que o efeito boca-a-boca funcione!