Os percalços da impressão à moda antiga
17/02/13 10:24Saiu dias atrás na “Ilustrada”, durante a ressaca do papa e da festa pagã, uma capa sobre como microeditoras vêm oxigenando o mercado nacional com obras de qualidade.
O repórter especial Cassiano Elek Machado visitou a sede da charmosa Bolha, no Rio, numa fábrica abandonada. E eu conversei com outros quatro editores que têm se dedicado a essa coisa apaixonada que é produzir livros lindos a preços acessíveis, reduzindo a margem de lucro o máximo –algo que a indústria no Brasil, infelizmente, não sabe o que significa.
Chamou minha atenção o que ouvi sobre impressoras tipográficas. Elas não são mais fabricadas no Brasil, e as que existem têm sido desmontadas para virar máquinas de corte e vinco de caixas. De pizza, disse o editor Vanderley Mendonça, da Demônio Negro. Ou então vendidas a peso, no Brás. O povo vai lá, compra e derrete para reutilizar o material.
Esse foi um motivo pelo qual os editores da curitibana Arte&Letra, Frederico e Thiago Tizzot, demoraram um ano inteiro para editar e imprimir uma coleção graciosa de livros artesanais, com clássicos, por assim dizer, menos clássicos (leia-se menos editados) da literatura.
Foi um périplo. Só em São Paulo eles foram encontrar quem trabalhasse com impressão tipográfica. Chegaram a José Carlos Gianotti, do ateliê do Instituto Acaia, na Vila Leopoldina.
Mas o tipógrafo estava mais habituado a trabalhar com livros de texto curto, de poesia ou infantis. Não tinha tipos (as peças de metal com letras) o suficiente para os livros de página cheia que a Arte&Letra queria editar –para cada uma delas, são necessárias várias letras A, várias B etc..
Gianotti foi ao Brás procurar uma família de tipos. Uma luta: quase não há mais famílias íntegras entre os tipos. Encontrou uma, por R$ 500, só para descobrir letras defeituosas e faltantes ao tentar montar uma página. Recuperou parte do dinheiro ao revendê-la e, por fim, contratou um profissional com máquina de linotipos, que funde em blocos cada linha de caracteres.
As edições de “Um Coração Singelo”, de Gustave Flaubert, “Os Assassinatos na Rua Morgue”, de Edgar Allan Poe, e “Luzes”, de Anton Tchekhov, saíram no fim do ano passado, com capa de tecido, ilustrações em xilogravura, miolos costurados à mão. Foram 200 exemplares de cada um. De “Luzes” já está sendo produzida uma segunda leva.
Levando em conta todo o processo, o preço final, R$ 59,90, é consideravelmente baixo. Foi possível só porque a Arte&Letra é também livraria, dispensando intermediários. E porque, como falei, os editores não quiseram faturar horrores em cima dos títulos. Sabiam que eles serviram como boa divulgação da editora, que também produz livros não artesanais.
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Por coincidência (ou nem tanto, já que o mercado não está assim esbanjando tipógrafos), José Carlos Gianotti, na foto acima, é um dos personagens que o artista gráfico Gilberto Tomé entrevistou para a exposição “Mestres Tipógrafos: Impressões da Vida”, em cartaz até o dia 23 de março na Oficina Cultural Oswald de Andrade, no Bom Retiro.
Tomé quis procurar quem trabalhasse “como nos tempos de Gutenberg”. Dos três entrevistados, só um, o Gianotti, já imprimia livros. Os outros, Aryovaldo Cordeiro, que tem uma pequena gráfica na zona norte de São Paulo, e Roberto Rossini, na Lapa de baixo, produziam receituários e notas fiscais, além de volantes e cartões de visita. Em demandas cada vez menores, segundo Tomé.
O artista fez a partir das entrevistas uma publicação, de 200 exemplares, que integra a exposição. É uma metaedição, impressa em tipografia e sobre a impressão em tipografia, com tipógrafos que são tanto personagens quando editores. Aos sábados, Tomé faz demonstrações do uso de máquinas tipográficas, das quais o público pode participar.
Para quem se interessa, a boa notícia é que São Paulo em breve terá uma oficina tipográfica permanente aberta ao público, a de Vanderley Mendonça, personagem singular: editor de artesanais na Demônio Negro e independentes na Edith, diretor numa multinacional de embalagens de alimentos e esgrimista profissional. Mas essa história fica para um próximo texto.
Raquel, maravilha de matéria. Desculpe a pergunta mas já chegou a fazer alguma matéria sobre o costume de “cheirar livros?” Porque eu sou viciado… novos ou usados… e esses da matéria logo comprarei e virarão objetos de cafungadas….
Como que se reduz algo ao máximo? Reduzir o máximo a margem de lucros, eu entendo. Reduzir ao mínimo, estamos bem. Mas reduzir ao máximo, me deixou com cor de cabeça.
Cor de cabeça! Acontece, viu, de sair um “a” ou um “c” no lugar errado. Vou lá arrumar, pena que vc não pode 😉
Que lindo isto!
Eu que adoro (ou melhor, adorava) colecionar livros, acho fascinante estas técnicas mais antigas, todo o trabalho artesanal e um cuidado que deixou de ter sentido com a modernização.
É incrível que algumas obras publicadas no final do século XIX e começo do XX possam ser preservadas muito melhor do que várias publicadas nos anos 60 e 70, pela qualidade dos materiais e da encadernação.
Agora, para quem deseja bancar a própria tiragem de seu livro, o melhor é abrir os horizontes. Imprimi 2 mil livros numa gráfica portenha, coloridos, e o preço saiu uns 40% mais em conta que seria no Brasil.
Para quem deseja tiragens maiores, principalmente de obras coloridas, com trabalho gráfico mais elaborado, não dá para competir com os preços praticados na China (eles mandam os livros por container). Quase todos os livros infantis vendidos nos EUA foram impressos lá. Só que estamos falando para 10 mil exemplares ou mais…
Estas pequenas tiragens sob demanda são um pouco enganadoras. Se o sujeito pode investir 1000 e tantos reais para receber 100 exemplares, ele tem de avaliar se não vale a pena investir um pouco mais e fazer direto uma tiragem maior. Desde que a vendagem tenha potencial para pagar o investimento, obviamente.
Abraços.
Algum dos entrevistados comentou comigo sobre como a impressão de hoje não duraria os 500 anos que durava a feita em tipografia. E, nossa, imprimir em gráfica portenha sai mais barato? Nunca tinha ouvido falar. Interessante.
Na verdade, não havia sido muito uma questão de escolha.
Estávamos morando em Buenos Aires por um tempo e fizemos uma pesquisa de preços, que nos pareceu vantajoso, mesmo com a melhor gráfica da cidade. Principalmente porque eles ainda abateram o imposto (sem nota), o que significou um desconto adicional de uns 15%.
Eu relato todo esta experiência com eles aqui
http://blogdoescritor.oficinaeditora.com/2010/12/autopublicacao-odisseia-de-uma-grande.html
Gostaria de ter esses exemplares, coomo devo fazer.
abs
Walter
Pode comprar clicando nos links sobre os livros, no texto acima. O César diz que encontrou tb na Travessa, no Rio.
Lancei um romance em novembro passado aqui em SP por editora independente, baixo custo, nada tão rebuscado em termos gráficos, mas com cuidados básicos como diagramação e tipografia. 1000 exemplares apenas. A sugestão aos interessados em tal iniciativa é procurar por gráficas no interior de Minas Gerais. A relação custo-benefício é ótima.
Opa, interessante! Mais em conta que imprimir digitalmente, sob demanda?
Cerca de R$ 4.30 a unidade com mínimo de 1000 exemplares. Capa em quatro cores, lombada quadrada, no grampo ou costura. Se o projeto gráfico for mais exigente, é possível reduzir o número de exemplares – contando-se com o aumento de valor proporcional da unidade. Penso, Raquel, que no âmbito editorial é importante trabalhar com algo menos “aventura” tal como é a impressão digital por demanda (digo no sentido de ter o cuidado que um livreiro tem). Tiragem reduzida, autor desconhecido e ficção não-vampiresca, não devem ser sinônimo de penalização para o leitor. Dá pra fazer muita coisa boa hoje em dia. Na minha opinião, tudo é resultado de planejamento.
Minha cara Raquel, acabei de ler a materia e fiz pequena pesquisa (duas livrarias). Na Travessa (Rio) consta os três citados (Flaubert, Poe e Tchekhov), cada um a R$ 65,00. Na Cultura nenhum dos três estão no catálogo. Aliás essa Cultura depois que virou um gigantesco paquiderme ficou pior A última vez que estive em São Paulo e deparei-me com aquilo tudo prreferi ir tomar um cafezinho na entrada do Conjunto Nacional. Livraria em shopping é uma bosta. Não tem calor, amor, conhecimento vendedor/cliente. Nunca será uma Shakespeare & Company; nunca terá uma Sylvia Beach. Beijão.
Ah, sim, 59,90 é o preço eliminando intermediários, como falei no texto. Mas eles distribuíram pouco, justamente porque a tiragem era pequena. 65 é um preço até baixo para quem soma o intermediário, os editores devem ter feito isso mais para ajudar na divulgação. E a Cultura tem mudado, sim…
Concordo contigo, César: a Cultura virou uma m**** mesmo. E eu gostava de ir lá, vasculhar, pesquisar, conversar com os vendedores para ver se encontravam algum título… A maioria deles não atende direito, parecem não conhecer o ramo em que estão envolvidos e é tão elitista que dá nojo. (Pronto, falei.)
Que livros lindos!