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Raquel Cozer

Perfil Raquel Cozer é jornalista especializada na cobertura de livros

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Painel das Letras: Francisco é pop

Por Raquel Cozer
04/05/13 03:00

Quase ninguém sabia quem era o cardeal Jorge Mario Bergoglio até ele se tornar o papa Francisco, em 13 de março, e quem saiu ganhando com isso foi o mercado editorial, que não perdeu tempo. Até o meio deste ano, pelo menos sete títulos sobre o papa argentino estarão disponíveis em livrarias brasileiras. O primeiro a sair, “Sobre o Céu e a Terra” (Paralela), de conversas de Bergoglio com o rabino Abraham Skorka, alcançou 20 mil exemplares em pouco mais de 20 dias, incluindo a pré-venda. A mesma dupla aparece, acompanhada do presbiteriano Marcelo Figueroa, na Coleção Diálogos da Fé, da Benvirá.

Francisco é pop 2
Há também uma série de biografias traduzidas a toque de caixa. Na semana que vem, chega às livrarias “A Vida de Francisco” (Objetiva), da jornalista do “El Clarín” Evangelina Himitian. A Planeta tinha programado para junho outra assinada por Andrea Tornielli –autor de livros sobre os papas Pio 12, João Paulo 1º e Bento 16–, mas adiantou o cronograma. Sai ainda neste mês. A Ecclesiae traz textos do próprio papa em “Anunciar o Evangelho”, e a Verus terá textos dele e diálogos em “Papa Francisco: Conversas com Jorge Bergoglio”, de Francesca Ambrogetti.

Já a Universo dos Livros deixou para julho seu “Francisco: O Papa dos Humildes”, do vaticanista Andreas Englisch, que conta os bastidores da nomeação. Mas a editora não deixa de faturar enquanto isso. Seu recentíssimo “O Homem que Não Queria Ser Papa”, do mesmo autor, sobre Bento 16, vendeu 73 mil cópias em dois meses.

Nacionais, tradicionais e digitais

A editora Bamboo, focada na produção infantojuvenil nacional, chega ao mercado no fim deste mês com um pé na tradição e outro na tecnologia. A área infantil, no selo Bamboozinho, reúne autores inéditos, retratando o folclore, a fauna e a flora do país.

A parte tecnológica vem nos aplicativos que acompanham os livros. O formato QRCode permitirá às crianças explorar a obra antes de ler, participando de brincadeiras relacionadas à história. A primeira safra inclui a série Tem Bicho que Sabe’ (imagem acima), de Toni e Laíse. A meta de Aloma Carvalho, curadora editorial, é apostar no potencial para exportação.

Microfone A Virada Literária, que desde 2011 integra a Virada Cultural paulistana, terá microfone aberto para quem quiser ler trechos de seus livros preferidos. O Karaokê Literário será uma das novidades da programação, organizada pela associação de editoras independentes Libre.

Microfone 2 O braço literário do evento da prefeitura de São Paulo, nos próximos dias 18 e 19, será na praça Mario Pires, ao lado da rua da Consolação. Como nos anos anteriores, serão vendidos livros com descontos.

Casamento As mineiras Autêntica e Crisálida fecharam parceria para uma coleção de clássicos. A partir de junho, chegam títulos como “Dicionário do Latim Essencial”, originalmente lançado pela Crisálida, agora em versão ampliada. As obras “Diálogo dos Oradores”, de Tácito, e “Elegias”, de Propércio, terão edições bilíngues.

Casamento 2 Até o fim do ano, dentro da parceria, sairão a antologia “Poesia Homoerótica Latina” e “Os Trabalhadores do Mar”, de Victor Hugo, na tradução de Machado de Assis. A meta é publicar dez títulos por ano.

Preferidos José Eduardo Agualusa selecionou aqueles que considera seus melhores contos, juntou alguns inéditos e publica pela Gryphus, em junho, “Catálogo de Luzes (Os Meus Melhores Contos)”. O prefácio é de Maitê Proença, cuja carreira literária Agualusa incentivou.

Pop “Here, There and Everywhere”, de Geoff Emerick, engenheiro de som dos Beatles, conta bastidores de gravações dos “Fab Four”. A obra foi adquirida pela Novo Século, que comprou também, no mesmo segmento, “No One Here Gets Out Alive”, de Jerry Hopkins e Danny Sugerman, sobre Jim Morrison. Ambas saem no fim do ano.

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Painel das Letras: O preço de Frankfurt

Por Folha
27/04/13 03:00

Saiu anteontem, um mês após o anúncio pelo Ministério da Cultura, a nomeação oficial de Renato Lessa para a presidência da Fundação Biblioteca Nacional. E o cientista político já assume sob críticas quanto às cifras que serão gastas pelo governo na Feira de Frankfurt, em outubro —o Brasil será homenageado, e cabe à fundação organizar a participação brasileira.

Questionado pela Folha, o MinC informou que o orçamento será de R$ 18,9 milhões e que, desses, já estão garantidos R$ 15,7 milhões. A Câmara Brasileira do Livro foi autorizada a captar via Lei Rouanet R$ 13 milhões para o evento —um plano B, para o caso de a verba não ser toda liberada pela União. A falta de clareza causou confusão. O MinC diz que “em nenhuma hipótese” o gasto passará de R$ 18,9 mi.

O preço de Frankfurt 2
Questionado sobre quanto desse montante será pago pela Fundação Biblioteca Nacional, o MinC assegura que “nenhum valor é do orçamento direto da FBN”, mas sim do Fundo Nacional de Cultura. Os gastos incluem o pavilhão brasileiro, estande de editoras, programação em museus de Frankfurt, passagens e hospedagens de autores, palestrantes, artistas e equipe de produção, tradução simultânea, tradução de material impresso e mais.

Para explicar o total do investimento brasileiro, a FBN cita gastos de outros homenageados: Argentina (2010), R$ 20 milhões; Catalunha (2007), R$ 39 milhões; Índia (2006), R$ 12 milhões; Coréia (2005), R$ 45 milhões.

O governo da Nova Zelândia, que gastou R$ 11 milhões em 2012, diz que essas cifras não são comparáveis, dadas as especificidades de cada país.

Norma Personagens como a moça Crase e o caçador Singular contam histórias da gramática em “Crônicas da Norma” (Callis/Instituto Antonio Houaiss; imagem acima, por José Carlos Lollo), de Blandina Franco, que chega em breve às livrarias

O leitor comum
O título da estreia de Luciano Trigo na poesia, “Motivo”, tem sua provocação. Leitor atento da atual produção poética, o jornalista e escritor diz ter concluído que pouco do que se edita no gênero é digno de nota. Resolveu reunir em seu livro só o que “se justificasse por algum motivo, alguma fagulha de originalidade”.

Trigo já escreveu ficção, ensaios e infantis. Com “Motivo”, que sai em maio pela 7Letras, quer fazer diferença num cenário que considera voltado ao próprio umbigo. “Parece uma poesia escrita entre amigos, para amigos e que perdeu a capacidade de tocar o leitor comum.”

Poesia A 7Letras, aliás, casa das que mais publicam poesia no país, com média de quatro títulos ao mês, inicia em maio a publicação da obra completa do português Ruy Belo (1933-1978). Começa com “Aquela Grande Rio Eufrates”, “O Problema da Habitação” e “Boca Bilíngue”.

Concurso Foram 900 inscritos em 2012, na estreia do Prêmio Paraná de Literatura. A segunda edição será lançada nesta segunda, selecionando obras inéditas em romance, contos e poesia. Cada vencedor ganha R$ 40 mil e mil cópias editadas pela Biblioteca Pública do Paraná. Edital e informações em bpp.pr.gov.br e seec.pr.gov.br.

Cinema Carlos Augusto Calil já definiu pontos da reorganização da obra de Paulo Emilio Salles Gomes (1916-1977), que passa da Cosac Naify para a Companhia das Letras

Cinema 2 Calil planeja volumes com textos antes só publicados em jornais. Da produção crítica de Salles Gomes, só saíram pela Cosac Naify os livros referentes a Jean Vigo.

Ficção científica  “Fragmento de História Futura”, do francês Gabriel de Tarde (1843-1908), ganha edição em maio pela Cultura & Barbárie, com tradução de Fernando Scheibe. O misto de ficção e ensaio se passa no século 31, 500 anos após os homens migrarem para as entranhas da Terra, com a extinção do Sol.

Guerra A Bertrand Brasil comprou “Masters of the Air”, de Donald L. Miller, livro que Steven Spielberg usa como base para sua próxima série de TV. Na Bienal, a editora lança os que originaram suas séries anteriores, “Band of Brothers” e “The Pacific”.

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Painel das Letras: Maomé e a montanha

Por Dani Braga
20/04/13 03:00

Enquanto o Brasil não vai à Alemanha como homenageado na Feira do Livro de Frankfurt, em outubro, a Alemanha vem ao Brasil. A já anunciada parceria entre a Bienal do Livro do Rio, de agosto a setembro, e o Goethe-Institut resultará na vinda de vários autores de língua alemã, entre eles Wladimir Kaminer (“Balada Russa”, Globo), Reinhard Kleist (“Cash”, 8Inverso), Manfred Geier (“Do que Riem as Pessoas Inteligentes?”, Record) e Ilija Trojanow (“O Colecionador de Mundos”, Companhia das Letras). A abertura do Ano Alemanha + Brasil será em 13 de maio, no Theatro Municipal. A programação do ano terá oficinas para tradutores e será encerrada na Feira do Livro de Porto Alegre, em novembro.

Ameaça amazônica
As vendas de editoras brasileiras pela Amazon não chegam a 1,5% de seus faturamentos, mas isso não impediu que profissionais do país fossem alertados por estrangeiros do potencial “predatório” da varejista, alvo de muitas críticas na Feira do Livro de Londres, nesta semana. Ao saber, por uma editora brasileira, que a Amazon estreou aqui, um executivo de uma das maiores editoras do mundo disse: “Então o crescimento que o país vinha alcançando vai parar”.

O Brasil, aliás, desistiu de ir de outra feira, a de Nova York, a seis semanas do evento. A Fundação Biblioteca Nacional informou que a nova gestão redefinirá sua política de participação em feiras.

Em Paris Um autorretrato (acima) do poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867) foi encontrado entre as obras gráficas do escultor Geoffroy-Dechaume (1816-1892). O desenho fica em exposição a partir desta segunda (22) na capital francesa

Vale-livros A ministra da Cultura, Marta Suplicy, afirma que tem conversado com livreiros para que exponham placas com a frase “Aqui se aceita Vale-Cultura”. A meta é estimular a compra de livros com o benefício, que deve ser distribuído a partir de julho.

Vale-livros 2 Em São Paulo, semanas atrás, Marta disse que o governo não tem como controlar como o vale será usado em livrarias, que vendem brinquedos e até chocolates. “Espera-se que os livreiros controlem”, disse.

Queda Aliás, o Anuário Nacional de Livrarias, coordenado pela associação do setor, a ANL, sairá no próximo dia 30 com um dado preocupante: o número de livrarias no país caiu 12% de 2011 para 2012 —hoje elas são 3.073.

Pulitzer Pedro Almeida, publisher da Lafonte, pediu reimpressão de “Jun Do”, romance de Adam Johnson que venceu o Pulitzer e passou em branco pela crítica nacional. Lançado em setembro com 5.000 cópias, tinha só 700 em estoque nesta semana.

Pulitzer 2 Sobre a mudança de título no Brasil (na tradução literal, seria ‘O Filho do Mestre dos Órfãos’), Almeida diz que o original não pareceu bom para o público brasileiro.

Visita Dos 1,7 milhão de exemplares da série “Diário de um Banana” vendidos desde 2008, mais de 1 milhão foi só em 2012, o que deu à editora V&R um crescimento de 20% no ano. E as vendas devem aumentar ainda mais em maio, quando o autor da coleção, Jeff Kinney, vem ao país lançar o sétimo volume da série.

Turnê A Intrínseca parte em maio para turnê por 14 cidades, incluindo Recife e Manaus, para apresentar seus lançamentos aos leitores. Em 2012, quando passou por nove localidades, houve média de cem pessoas por evento, público expressivo para um evento de marketing, sem autores.

Entretenimento A cronista Clarissa Correa e a jornalista Flávia Gasi, dois sucesso na web, estão entre os primeiros clientes da C! House, grupo transmídia da editora Gabriela Nascimento, do economista Thiago Ururahy e do escritor MJ Macedo, e que foca histórias que possam se desdobrar em plataformas.

Novela Vincent Villari, que assina com Maria Adelaide Amaral a próxima novela das sete, “Sangue Bom”, terá dias movimentados pela frente. Pouco após a estreia da trama global, no dia 29, ele lança pela Prumo o romance “A que Ponto Chegamos”.

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Painel das Letras: Feira itinerante

Por Folha
13/04/13 03:00

Foram cerca de 1 milhão de livros vendidos desde julho de 2012, em 23 cidades onde livrarias são raridade. Agora, o evento itinerante Caminhos da Leitura tenta angariar R$ 5 milhões para alcançar, a partir do segundo semestre, outras 20 localidades. Para a primeira etapa, ainda em andamento, a Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL) captou no ano passado R$ 3,6 milhões via Rouanet. O evento surgiu da noção de que 70% das cidades brasileiras não têm livrarias. Além de debates e oficinas, oferece livros a até R$ 10. Neste fim de semana, está em Itu.

Quase como era antes

Depois de um ano no Cerlalc, centro da Unesco para o fomento da leitura na América Latina, Fabiano dos Santos Piúba voltará ao MinC. Foi convidado por José Castilho Marques Neto, novo responsável pelas políticas de livro e leitura do ministério.

Piúba comandava no MinC a Diretoria de Livro, Leitura e Literatura e retorna ao cargo. Com a diferença de que, em 2012, a diretoria agregou o sistema de bibliotecas —uma herança da passagem pela Fundação Biblioteca Nacional, que desde os anos 90 geria esse sistema.

A área de bibliotecas, aliás, deve receber de volta Elisa Machado, uma das coordenadoras cujas cartas de demissão, em março, aceleraram a decisão de Marta Suplicy de tirar Galeno Amorim da presidência da FBN. A exoneração de Elisa nunca chegou a sair.

Clique na imagem para ampliá-la

O mapa da arte e a Bienal

Will Gompertz, editor de arte da BBC, vem à Bienal do Livro Rio lançar “Isso É Arte?” (Zahar), sobre a evolução da arte moderna, com direito a diagrama estilo mapa do metrô (acima). Também está confirmada Emma Donoghue, do elogiado romance “Quarto” (Verus). Com eles, já há 12 nomes confirmados, a quatro meses do evento.

Estreia digital
A tão esperada estreia da Cosac Naify no mercado digital será no próximo dia 23, Dia Mundial do Livro. Os primeiros e-books serão disponibilizados nas lojas virtuais da Saraiva e da Cultura. A princípio, Amazon, Apple e Google ficam de fora.

Também neste primeiro momento, o cronograma digital será à parte, sem relação com os lançamentos físicos. A primeira leva terá, entre outros, contos avulsos de Tolstói e Tchekhov, a cerca de R$ 5 cada um, e os romances “Bonsai”, de Alejandro Zambra, e “O Filho de Mil Homens”, de Valter Hugo Mãe, com descontos de 30% a 35% em relação às edições em papel.

Cubano O premiado “O Homem de Amava os Cachorros”, de Leonardo Padura Fuentes, sairá neste ano pela Boitempo. O romance acompanha em mais de 500 páginas um escritor fictício, o líder Leon Trotski e seu algoz, o catalão Ramon Mercader.

Biografias Trotski é tema também de uma das quatro biografias assinadas por Paulo Leminski e que a Companhia das Letras reúne neste ano no volume “Vida”. As outras são sobre Jesus Cristo, Matsuo Bashô e Cruz e Souza

Desistência O escritor e diplomata João Almino conta que retirou há duas semanas sua candidatura à vaga que Rosiska Darcy de Oliveira garantiu anteontem na Academia Brasileira de Letras.

Desistência 2 “Ela teve uma campanha bem feita e iniciada de longa data. Eu não teria o apoio de amigos que já haviam assumido compromissos”, explica.

Free City  Em setembro, um mês antes de participar da Feira de Frankfurt, Almino terá seu premiado “Cidade Livre” lançado nos Estados Unidos. Será seu terceiro romance vertido para o inglês.

Frankfurt A Dublinense, que teve microestande na última Feira de Frankfurt, graças a um programa de apoio a independentes, agora colhe frutos. Seus policiais “Crime na Feira do Livro”, de Tailor Diniz, e “Fetiche”, de Carina Luft, integrarão coleção da alemã Abera, a ser lançada na feira deste ano, em outubro.

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Marta Suplicy e José Castilho comentam os novos rumos das políticas de livro e leitura

Por Raquel Cozer
11/04/13 08:00

As políticas de livro e leitura do país deixarão de ser atribuição da Fundação Biblioteca  Nacional (FBN) e voltarão à estrutura do Ministério da Cultura, em Brasília.

A decisão da ministra Marta Suplicy, ainda não divulgada oficialmente, foi consolidada na última segunda-feira, quando José Castilho Marques Neto, presidente da Editora Unesp, aceitou o convite para voltar ao cargo de secretário-executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), com mais responsabilidades do que tinha de 2006 a 2011.

A reportagem de capa da “Ilustrada” de hoje traz a explicação dessa novela toda (que venho  acompanhando há dois anos, mas que começou nos tempos de Monteiro Lobato).

Abaixo, minhas entrevistas com Marta Suplicy e com José Castilho Marques Neto –concedidas respectivamentes por e-mail (via assessoria de imprensa) e telefone apenas após conclusão da edição de hoje, ontem à tarde. Falei ainda com Ana de Hollanda, citada na reportagem. Galeno Amorim, ex-presidente da FBN, a quem liguei e escrevi desde terça, não foi localizado.

***

Marta na Comissão de Cultura da Câmara, em foto de Joel Rodrigues/Folhapress


Pouco após assumir o MinC, no fim do ano passado, a sra. disse à Folha estar estudando a volta das políticas de livro e leitura para Brasília. Qual sua avaliação do desempenho da Biblioteca Nacional nesse setor e por que resolveu dissociar a área dela?
Marta: A ida da Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) para a FBN incumbiu  e priorizou ações para a FBN que atrapalharam a sua função principal e desvirtuou o processo que estava sendo implantado de formação de leitores a partir dos eixos do Plano Nacional do Livro e Leitura – PNLL.

Quais as prioridades da área de livro e leitura em sua gestão como ministra?
Marta: Retomar a centralidade do PNLL na condução da política pública do ministério para a área. Trabalhar fortemente na institucionalização de uma política de Estado para o livro, a leitura, a literatura e as bibliotecas buscando torná-la perene, supragovernamental e que não sofra processo de descontinuidade na troca democrática de governos. E também não deixar de focar na formação de leitores, na modernização de bibliotecas publicas que precisam ser centros culturais de inclusão e no incentivo aos mediadores de leitura.

A gestão de Galeno Amorim  priorizou a compra de acervo para bibliotecas, com um programa de aquisição de livros a preços baixos. A primeira fase do programa foi encerrada sem ser finalizada, já que intermediários, como editores e pontos de venda, não entregaram todos os livros pedidos pelas bibliotecas. Galeno previa para junho um segundo edital, que corrigiria problemas do primeiro e no qual bibliotecas que não receberam livros na primeira fase teriam créditos. Esse edital será lançado?
Marta: Não. A necessária política de acervo para as bibliotecas públicas será reavaliada pelos novos responsáveis com a diretriz de valorizar o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas e a construção de um verdadeiro sistema de bibliotecas que atenda o leitor do século 21.

Quem ficará responsável pela participação do Brasil na feira de Frankfurt e pelas políticas de internacionalização da literatura brasileira?
Marta: A Fundação Biblioteca Nacional, tendo Renato Lessa  como responsável.

Tive a informação de que a sra. nomeará José Castilho Marques Neto para comandar essas políticas. Essa informação procede? Por que o escolheu?
Marta: Sim,  porque ele é um excelente quadro propulsor do melhor programa de política de livros e leitura que já tivemos.

***

José Castilho Marques Neto, em foto de José Carlos Barretta/Folhapress

Você foi secretário-executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura de 2006 a 2011. Sua função agora será a mesma?
Castilho: O enfoque do PNLL é o mesmo, mas seu papel na estrutura do ministério será mais preponderante. Será um papel não apenas de conselheiro, mas de coordenação das políticas implementadas de livro, leitura, literatura e biblioteca. O PNLL antes só chegava nas bordas.

Quais serão as prioridades na sua gestão?
Castilho: Temos uma pauta que foi consenso no Congresso Nacional de Cultura, em 2010, e que precisa ser implementada. Essa pauta prevê principalmente a formação de uma política de Estado da cultura, ou seja, uma institucionalização dessas políticas. Esse é o ponto inicial de uma ação do PNLL, que está na proposta que estou levando ao ministério.

O primeiro ponto é a institucionalização do PNLL em lei, porque precisamos de um plano nacional de longo prazo. O PNLL tem de ser elevado do patamar de decreto em que se encontra agora. A segunda questão é criar um organismo representativo e que tenha autoridade em financiamento para tratar dessa política. Isso seria o Instituto Nacional de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas. Terceiro, temos que finalmente projetar e instituir o Fundo Setorial Pró-Leitura.

Esse fundo foi pensado como fruto da desoneração de 2004 [quando a cadeia produtiva do livro deixou de pagar PIS/COFINS, que chegava a 9% do faturamento, e se comprometeu a pagar 1% do faturamento para estimular políticas de livro e leitura], que até hoje não foi regulamentado. Isso é importante para criar um recurso permanente para o Instituto Nacional do Livro.

De quanto seria a arrecadação desse fundo e por que a ideia não avançou?
Castilho: A estimativa em 2010 era que com o fundo se arrecadasse R$ 50 milhões por ano. Com a desoneração, o governo deixou de arrecadar R$ 500 milhões ao ano. Não foi para a frente porque não houve ação incisiva do governo e porque o setor empresarial não tocou voluntariamente nessa questão.

E como acha que a cadeia produtiva receberá o retorno dessa discussão?
Castilho: Acho que as editoras entendem a importância de um fundo para estimular ações de livro e leitura, embora, obviamente, como faz muito tempo que o assunto não vem à tona, possa render alguma polêmica. É importante registrar que, durante esse período, até 2009, o setor privado, até como resposta à questão da desoneração, criou o Instituto Pró-Livro, com apoio da Câmara Brasileira do Livro, do Sindicato dos Editores de Livros, da Abrelivros, e fez ações importantes em parceria com o governo, como a pesquisa Retratos da Leitura.

O setor privado não se furtou a contribuir para o desenvolvimento do plano e também deu uma resposta à questão da desoneração. Mas o investimento ainda é muito aquém do que foi acordado, que era de 1%. Hoje essa contribuição é voluntária, então não chega a 1% do faturamento do setor.

Qual é hoje o orçamento do PNLL? Durante a última gestão, foram anunciados R$ 373 milhões sob o guarda-chuva do PNLL, mas abrangendo ações externas ao MinC.
Castilho: Não sei como está isso exatamente agora. Combinei com a ministra de, nos próximos 15 dias, fazer um levantamento do que é tudo isso, qual o orçamento, onde está, o que está comprometido, o que ainda vai entrar.

Como era o orçamento do PNLL até 2011, quando você ainda estava lá?
Castilho: Trabalhamos de 2008 a 2010 com média de R$ 90 milhões para o fomento à leitura, modernização de bibliotecas, dentro do orçamento do programa Mais Cultura, do MinC. Até 2006, a média era de R$ 6 milhões, então houve de fato um interesse do governo. Quando começou a implementação do plano, que incluía a formação de agentes de leitura, compra de livros para bibliotecas, esse arcabouço passou de R$ 6 milhões para R$ 90 milhões.

Esse foi o patamar possível naquele momento para as ações de implementação dos quatro eixos do plano. Na ocasião, o dinheiro foi dirigido para os dois primeiros eixos, democratização de acesso e formação de mediadores. Os outros dois são a economia do livro, que foi basicamente o que aconteceu na gestão do Galeno, e a ampliação da comunicação sobre a importância do livro e da leitura, com campanhas. Isso fizemos muito pouco.

O Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas foi criado, nos anos 90, dentro da Fundação Biblioteca Nacional. Ele irá para Brasília, também, assim como o Proler?
Castilho: Aí é uma questão da história do livro e da leitura no MinC. Toda a política de formação de bibliotecas, a própria ideia de um Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, residia até o governo FHC na Secretaria do Livro, no MinC. No primeiro governo Lula, essa secretaria foi extinta e as atribuições passaram para a FBN, que tinha a Diretoria do Livro e o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, dando a normatização, acompanhamento técnico, fazendo compras para bibliotecas, os famosos kits.

Tudo isso o SNBP fez até agora. Mesmo durante o PNLL, mesmo com o surgimento da Diretoria do Livro e Leitura em 2008 no Minc, essas funções eram primeiro pensadas no PNLL, equacionadas e orçadas e planejadas na Diretoria do Livro e Leitura e executadas pelo SNBP.

Agora, qual a lógica disso tudo? Você tem uma segmentação em vários níveis de instâncias de decisão e encaminhamento, e acabam caindo gerenciamento e execução num órgão que não deve fazer isso, a Biblioteca Nacional. Isso é política pública voltada para os municípios, não para a Biblioteca Nacional. A própria Elisa Machado [que coordenava o SNBP na gestão Galeno Amorim] defendia que o sistema deveria ser sediado no MinC dentro de um órgão específico.

Se essas atribuições foram alocadas na Biblioteca Nacional, foi porque houve um desmanche institucional [no governo Collor, quando o Instituto Nacional do Livro foi esvaziado e virou departamento da FBN]. Minha divergência com a política implementada pelo Galeno é que caminhávamos para a institucionalização em Brasília e daí ele levou tudo para o Rio.

O Proler também fica na DLLLB. A questão física ainda não se resolveu, mas a tendência é ir para Brasília. O importante é a separação [em relação à FBN].

Você comentou que no primeiro governo Lula as políticas também tinham voltado para o Rio. Não se perde muito com essas idas e vindas?
Castilho: Foi um redesenho do MinC na gestão inicial do Gil, quando entenderam que a Secretaria Nacional do Livro não teria espaço em Brasília. Na época não participei da discussão. E ela foi extinta. Segundo me disse o último secretário nacional do livro do FHC, Ottaviano de Fiore, essa era uma proposta deles também. Naquele tempo, a secretaria ficou muito restrita à distribuição de kits para bibliotecas. Não havia formação de mediadores, incentivo.

Então veio o PNLL, em 2006, que costurou e deu um sentido aos investimentos públicos na área de desenvolvimento de formação leitora. O que se esperava a partir de 2010 é que fizéssemos essa transformação em uma política de Estado permanente, em vez de ficar só distribuição de livros. Que o apoio não parasse aí, mas que formasse mediadores que, por sua vez, de fato formassem leitores. Que trabalhasse no nível da comunicação e finalmente no mecanismo de incentivo da indústria. Fecharíamos toda a cadeia, da criativa à distributiva e leitora.

Embora tenha sido criticado por partir de uma lista criada por editoras, dando margem a um desencalhe de livros de pouca qualidade, o programa de aquisição de acervos para bibliotecas proposto por Galeno Amorim [com a participação de toda a cadeia produtiva e com livros comprados a R$ 10 pelas bibliotecas] distribuiu mais livros que a média dos anos anteriores. Que regularidade tinha esse trabalho antes?
Castilho: A distribuição de kits nunca foi algo dirigido dentro de um projeto coerente e de uma proposta de biblioteca. Isso começou em 2009, dentro do Mais Cultura, quando instituímos no PNLL o conceito de Biblioteca Viva, que não é só um acervo de livros, mas é dinâmica, de eventos culturais, um pólo aglutinador digital. Dentro dessa lógica começamos a fornecer também a complementalão de acervos de bibliotecas públicas.

O programa proposto pelo Galeno permitu, pela primeira vez, aos bibliotecários a escolha de seus acervos, em vez de centralizar as escolhas na FBN, que antes não levava em conta as especificidades locais. Foi um avanço, não foi?
Castilho: Sim, com certeza, não só a escolha como a compra direta pelos bibliotecários. Um dos programas que quero discutir com a ministra é um que existe já com êxito no Ministério da Educação, que é o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). Uma das propostas é verificar a viabilidade do Dinheiro Direto na Biblioteca Pública. Nada melhor que a biblioteca, que conhece seus usuários e seus leitores, faça a compra direta a partir de um dinheiro recebido diretamente. Isso é um ponto positivo do programa do Galeno e é uma discussão antiga e que acompanhou os debates do PNLL, assim como a compra direto pelas livrarias nas cidades em que as bibliotecas estão. Isso é perfeitamente coerente com o espírito do plano.

O segundo edital proposto pela FBN tinha melhorias em relação ao primeiro, como o fato de as bibliotecas apresentarem suas sugestões de livros antes de as editoras serem convidadas a participar. Esse edital deveria sair em breve, beneficiando inclusive bibliotecas que, por problemas na primeira fase, não receberam os livros. Ele será lançado?
Castilho: Isso vai ser analisado, tem que fazer parte desse diagnóstico. Tem alguma possibilidade de lançar, embora eu entenda que a ótica do incentivo público deve ser mais o fomento, sem interferência no mercado. Acho que o trabalho deve ser mais no sentido de mediar leitores, fazer campanha, promover acesso. Uma coisa é desonerar, tentar algumas facilidades para a comercialização do livro, outra é interferir diretamente na cadeia da comercialização.

Quando você coloca um programa como o do livro popular, do Galeno, no qual o governo compra determinadas quantias de livro a um preço xis com o objetivo de que, além da distribuição em bibliotecas, iniciar um ciclo de vendas do setor editorial, como foi colocado… Porque foi colocado isso, o Programa do Livro Popular ser não só um programa de livros para bibliotecas, mas para estimular a cadeia comercial a lançar mais livros a R$ 10.

Não acho que seja um caminho correto, porque interfere numa atribuição que é própria do mercado, numa dinâmica de mercado. Não precisa o governo colocar verba para esse tipo de atividade. Ele tem que dirigir essa verba para formação de leitores, modernização de bibliotecas, fazer uma ação no sentido de incentivar os negócios, não interferir neles.

De certa maneira, a ideia do Programa do Livro Popular, de livros a até R$ 10, combina com uma das bandeiras da Marta Suplicy no MinC, o Vale-Cultura.
Castilho: O simples fato de o mercado editorial ter um instrumento como o Vale-Cultura vai levá-lo a investir em livros mais baratos. As editoras vão trabalhar com esse novo consumidor, que tem o Vale-Cultura no bolso, em vista. O mercado mesmo vai dar essas soluções. Assim como aconteceu quando, anos atrás, o mercado começou a se especializar em livros de bolso e de baixo custo. Temos exemplos excelentes no Brasil de livros vendidos a R$ 5, R$ 10, R$ 20, por editoras que não recebem nenhum incentivo.

O livro de baixo custo não precisa ser incentivado diretamente pelo governo, ele pode ser incentivado a partir de ações políticas culturais, que abram pontos de cultura, facilitem a divulgação desses livros, em vez de o governo interferir numa ação que o mercado pode resolver sozinho. A garantia de um investimento desses é muito tênue. Você vai colocar nisso um caminhão de dinheiro em detrimento da aplicação de outros programas de maior retorno, como a modernização de bibliotecas, para algo que o governo não domina nem deve dominar.

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Painel das Letras: Memórias de Malala

Por Folha
06/04/13 03:00

As memórias da paquistanesa Malala Yousafzai, de 15 anos, que em 2012 virou símbolo da luta pelos direitos das mulheres após ser baleada no peito e na cabeça por talebans, serão publicadas pela Companhia das Letras. Malala ficou conhecida em 2009, aos 11, quando começou a denunciar práticas da milícia fundamentalista islâmica no blog Diário de uma Estudante Paquistanesa, no site da BBC. “I’m Malala”, previsto para o segundo semestre, gerou concorridos leilões internacionais nos últimos dias, mas a editora brasileira garantiu os direitos antes. A jornalista que assina a obra  não teve o nome divulgado por questão de segurança.

Oficina de ensaio
Neste ano, a concorrida oficina literária da Flip será de ensaio, em parceria com a revista “Serrote”, numa das várias investidas da publicação do IMS para promover o gênero. Será coordenada pelo editor Paulo Roberto Pires e terá participação do escritor britânico Geoff Dyer e do brasileiro Francisco Bosco.

As aulas vão de 4 a 6/7, em Paraty, com 15 vagas. As inscrições começam amanhã e se encerram em 8/5.

Interessados devem enviar currículo e ensaio próprio, inédito ou não, com até 30 mil toques, para oficinaliteraria@flip.org.br. Os selecionados serão anunciados nos sites da Flip e da “Serrote” em 27/5 e devem pagar R$ 120. O regulamento está em flip.org.br.

Infantil ‘This Is Not My Hat’, de Jon Klassen, best-seller premiado pela Association for Library Service to Children, foi comprado pela WMF Martins Fontes, que já publicou do autor ‘Quero Meu Chapéu de Volta’

Demissão Continuam as mudanças na Fundação Biblioteca Nacional. Depois de Galeno Amorim ter sido demitido, Maria Antonieta Cunha, da Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB), pediu as contas.

Demissão 2 Ela disse não achar ético ficar no cargo após a saída de Galeno. De qualquer modo, a DLLLB não ficará sob comando do novo presidente da FBN, o cientista político Renato Lessa. A diretoria retornará a Brasília.

Desafios Em São Paulo, quem pediu demissão foi Maria Christina de Almeida, diretora da Biblioteca Mário de Andrade. Seu substituto, o artista plástico Luiz Armando Bagolin, terá desafios como ampliar o sistema de ar condicionado, conseguir recursos para digitalizar o acervo e aumentá-lo em 8.000 títulos.

Desafios 2 Esta última tarefa será árdua. A biblioteca teve R$ 130 mil para comprar livros em 2011, ante R$ 20 mil neste ano. Mas sempre recebe doações de casas como a Companhia das Letras, a Cosac Naify e a Editora Unesp.

Digital Após longa negociação, a Ediouro assinou contrato nesta semana com a Apple, cuja loja é a que mais vende e-books no Brasil.

Digital 2 A editora carioca era, dentre as maiores do país, a única que ainda não vendia pela rival da Amazon.

Cinema Com a estreia de “O Grande Gatsby” no Festival de Cannes, em maio, novas edições da obra de F. Scott Fitzgerald são lançadas. Após a tradução da Companhia das Letras, por Vanessa Barbara, sairão a da LeYa, por Alice Klesck, e a da Geração Editorial, por Clara Averbuck —com direito de uso de imagem do filme na capa, terá apresentação de Ruy Castro.

Cinema 2 Já a estreia, neste mês, de “Meu Pé de Laranja Lima”, dirigido por Marcos Bernstein, levou a Melhoramentos a digitalizar sete títulos de José Mauro de Vasconcelos. O carro-chefe, o clássico que originou o filme, terá três versões digitais diferentes, incluindo uma fac-similar da original de 1968.

Indie O blog Casmurros prepara eventos para o Festival Baixo Centro, que vai até dia 15/4 no entorno do Minhocão. Hoje, às 16h, no Espaço Parlapatões, haverá a leitura colaborativa de “Macunaíma”, de Mário de Andrade. Nos dias 10 e 11, às 19h, na praça Roosevelt, haverá conversas com os escritores Maria José Silveira e Bruno Zeni sobre São Paulo na ficção.

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'Não comam Lacta nem bebam guaraná': as revistas modernistas no Brasil

Por Raquel Cozer
01/04/13 21:15

A primeira edição da “Klaxon”, a mais famosa revista modernista do Brasil, lançada a 15 de maio de 1922, trazia um anúncio com as palavras “coma Lacta” dispostas na página  num estilo um tanto concretista, movimento que só surgiria décadas depois. A segunda edição incluía um anúncio do guaraná Espumante, não menos criativo, com alternativas de bebida rabiscadas –assim como o da Lacta, assinado pelo poeta Guilherme de Almeida. São esses:


Mas as propagandas eram modernas demais para os empresários, que deram para trás e cancelaram anúncios previstos para as edições seguintes. Como resposta, no quarto número, os klaxistas soltaram uma nota debochada, assumindo seu papel de “únicos representantes do mais alto gosto paulista”. Orientavam: “NÃO COMAM LACTA NEM BEBAM GUARANÁ”.


A história  acima está no ótimo “Modernismo em Revista: Estética e Ideologia nos Periódicos dos Anos 1920” (Casa da Palavra), de Ivan Marques, que narra a curta e tumultuada trajetória das sete principais revistas modernistas da década de 20 no Brasil  –e que terá lançamento nesta quarta, dia 3, às 19h, na unidade Fradique da Livraria da Vila, em São Paulo.

Escrevi sobre o livro no início do mês passado, numa capa da Ilustrada que incluía o já citado aqui “A Revista do Brasil no Século XIX”.

Segue, abaixo, a entrevista feita via Facebook com o Ivan Marques.

***

Qual foi o papel das revistas dentro do modernismo no Brasil?
As revistas modernistas, não só no Brasil, foram um dos principais veículos de atuação das vanguardas, que normalmente são associadas com a destruição –da velha arte, dos velhos conceitos. Mas aqui elas tiveram um papel diferente. Desde “Klaxon”, que foi a mais ousada, lançada logo depois da Semana de 1922, as revistas tiveram um papel construtor. Foram mais um espaço de debate e de autocrítica do modernismo do que propriamente de ataque das convenções. As revistas são a principal demonstração da conjunção de esforços que foi necessária para articular o modernismo num país atrasado, pré-moderno, como o Brasil.

E que influência tiveram sobre a produção artística?
Nelas saíram muitos textos que só tempos depois apareceriam em livros. Poemas de Drummond, que se tornou poeta respeitadíssimo só pela atuação nas revistas. Em livro, ele só estrearia em 1930. Todos os mineiros surgiram nelas: além de Drummond, houve Pedro Nava, Emílio Moura. Os grandes poemas de Manuel Bandeira saíram primeiro em revistas e só depois, em 1930, no livro “Libertinagem”. Capítulos inéditos de “Macunaíma” também saíram antes nelas.

O debate das revistas é profundo e atualíssimo. Diz respeito às condições de produção de arte e literatura de vanguarda num país periférico como o Brasil. Na Argentina, elas tiveram a mesma repercussão. Acho que, na década de 1920, elas foram mais importantes do que boa parte do que foi publicado em livros, até porque a edição de livros era bastante restrita. Olhar essas revistas em conjunto, e não separadamente, como faziam os estudos anteriores, dá uma ideia mais exata da construção do modernismo brasileiro. Pela comparação, é possível corrigir uma série de ideias equivocadas, repetidas nos manuais e nas histórias literárias.

Que tipo de ideias equivocadas?
Para começar, a ideia de que a vanguarda de 1922 foi destruidora, polêmica. Como disse, o esforço de construção e de aprofundamento crítico da produção modernista estava em primeiro plano. Outro exemplo: os manuais dizem que a revista “Festa”, do Rio, era espiritualista e universalista. Mas a leitura da revista mostra que a preocupação deles era também com a arte nacional. Também se diz que o nosso “primeiro modernismo” ou “modernismo heroico” se preocupou apenas com questões estéticas. O que as revistas mostram, desde o começo, é a preocupação com a busca da identidade nacional. Para os modernistas, a afirmação dessa identidade era fundamental para que o movimento brasileiro não fosse apenas uma imitação leviana das vanguardas estrangeiras. Nas revistas o peso das questões ideológicas é grande, ao lado da discussão estética, que está quase sempre atrelada à questão nacional.

Quais foram os critérios para escolher as sete revistas para o livro?
Busquei as que existiram no período do chamado “modernismo heróico”, dos anos 1920. A primeira delas, “Klaxon”, é de 1922. A última, “Antropofagia”, de 1928. É o período forte da cultura modernista, a fase de combate. Também busquei revistas que tiveram impacto nacional, não apenas presas aos seus grupos de origem. Essas sete revistas existiram por conta do esforço das mesmas pessoas. À medida que uma desaparecia, outra surgia. Daí o debate pôde ser aprofundado ao longo da década. Mário de Andrade foi a figura que costurou a história das revistas. Além de ser um dos criadores de “Klaxon”, foi o principal coadjuvante das mineiras “A Revista” (BH) e “Verde” (Cataguases). Foi ele o responsável por essa visão construtora.

Quando você fala sobre impacto nacional, considerando uma entrevista como a “Verde”, do interior, você se refere a impacto nos grandes centros, no eixo Rio-São Paulo, ou elas repercutiam também em outros Estados e regiões?
Sim, repercutiam em outros Estados. Vários modernistas, sobretudo Mário, se preocuparam em distribui-las para todo o Brasil e para fora dele. Uma revista como a “Verde” foi genuinamente um órgão nacional do modernismo, embora fosse feita por rapazes de uma pequena cidade de Minas. O mesmo se pode dizer de “A Revista”. Os mineiros foram responsáveis por ela, mas foi um porta-voz de todos os modernistas em 1925. Essas sete formam um conjunto importante.

E no entanto os próprios responsáveis por elas, como Rosário Fusco, ainda no caso da “Verde”, as chamariam de “folclore”. Como você vê isso?
Essa questão é interessante. Os modernistas, depois de velhos, parecem ter tido certa vergonha dessa fase do modernismo, como quem tem vergonha da própria infância. Mas elas foram importantes, sim. Os textos que publicaram, de criação e de crítica, são da maior relevância. Talvez essa “folclorização” (= desvalorização) do modernismo tenha começado em 1942, com a conferência de Mário sobre os 20 anos do modernismo. Ele disse que tudo fora uma brincadeira, uma orgia. Esse balanço de Mário, como o depoimento do Fusco, é exagerado.

As revistas foram importantes não só para o desenvolvimento da cultura modernista, mas também porque a publicação de livros nos anos 1920 ainda era escassa. Elas talvez tenham sido a principal obra dos modernistas na década. No caso de “Verde”, com certeza a revista foi a principal coisa que fizeram. Com exceção de poucas obras (“Macunaíma”, de Mário, “Memórias Sentimentais de João Miramar”, de Oswald), o movimento modernista quase não produziu livros nos anos 1920. A criação circulava nas revistas. E também o debate, a autocrítica. Ali o modernismo brasileiro foi encontrando a sua cara, seus caminhos e seus impasses

Você comenta no livro que boa parte dos textos não eram assinados. Esses textos são de autoria facilmente identificável?
Na maioria dos casos, sim. Quando as revistas foram reeditadas e ganharam os estudos individuais, nos anos 1970, 1980, ainda era possível verificar a autoria com os modernistas ainda vivos. Há casos em que não foi possível. Explico no livro que, de fato, essas ideias não pertenciam a um autor só, mas diziam respeito ao conjunto dessas vozes modernistas que se exprimiam nas revistas. O questionamento da autoria, no final, também diz respeito à ação da vanguarda. Havia o interesse de fortalecer a ideia de grupo, de ações que não eram individuais.

Curiosamente, os modernistas acabaram construindo vozes tão particulares, tão pessoais: Mário, Oswald, Drummond, Bandeira. É impossível confundi-los. Mas nas revistas as ideias pareciam mesmo não ter autoria específica. Pertenciam a todos.

Como essas revistas eram produzidas?
À exceção da “Festa”, que teve um mecenas, não havia dinheiro para a produção delas. O que havia eram vaquinhas literárias, apoios localizados. Elas acabavam por falta de condições. Mas também porque é difícil publicar por muitos anos uma revista dessa natureza, que tem mesmo o caráter efêmero tão frequentemente atribuído às ações de vanguarda. Sem dinheiro nenhum, público nenhum, elas duraram pouco. Sofriam do que foi chamado “mal dos três números”. No terceiro número, desapareciam, como ocorreu com “Estética” (RJ) e “A Revista” (MG).

Você escreve que as crônicas se tornaram uma das melhores traduções do modernismo. Embora, na verdade, sejam anteriores ao movimento. De que maneira  o traduzem?
Sim, elas eram importantes e praticadas desde o século 19. A hipótese é que, a partir da década de 1920, a crônica encontrou sua linguagem específica, seu jeitinho brasileiro, sua leveza, simplicidade. A partir da influência que sofreu do movimento modernista. Talvez a crônica seja mesmo das melhores traduções do modernismo. E nas revistas houve os primeiros experimentos. Crônicas de Drummond, já definindo novos parâmetros para esse gênero. Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, todos beberam nessa fonte modernista.

As crônicas traduzem o modernismo em suas características fundamentais: temas cotidianos, linguagem coloquial, tom despretensioso etc. É a “vida ao rés-do-chão”, como disse muito bem Antonio Candido, num texto famoso sobre a crônica brasileira. E ele pensava, claro, nessa tradição moderna da crônica, formada a partir do modernismo.

Que legado que essas revistas nos deixam, olhando 90 anos depois?
Elas são o testemunho vivo de um dos períododos mais agitados da cultura brasileira. E mostram, entre outras coisas, que o modernismo não se limitou à Semana de Arte Moderna e menos ainda à cidade de São Paulo. O movimento em 1922 era ainda imaturo e se aprofundou ao longo da década. Um dos canais desse aprofundamento foram as revistas. A leitura delas, com 90 anos de distância, mostra as dificuldades de construção do modernismo num país como o Brasil. A gente tem muitas vezes a ideia de que o país estava “pronto” para o moderno, mas isso não é verdade. Esse “moderno” custou caro e exigiu uma série de esforços.

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'A Questão Finkler', humor e melancolia

Por Raquel Cozer
31/03/13 00:54

“A Questão Finkler”, de Howard Jacobson, 70, ficou conhecido em 2010 como o primeiro romance de humor em quase 25 anos a ganhar o prestigioso Man Booker Prize, para títulos em língua inglesa. Descrição um tanto injusta: mesmo sem o humor seria um livraço.

A obra, que acaba de ser publicada pela Bertrand Brasil, trata de três amigos ligados ao judaísmo, no bom e no mau sentido. Há Julian Treslove, um gói obcecado pela improvável chance de ter raízes judaicas. Há também Libor Sevcik, judeu tcheco de quase 90 anos a quem a origem importa menos que a morte de Malkie, sua mulher por mais de meio século. E há Samuel Finkler, judeu tão avesso a Israel que prefere usar “Sam”, negando a origem, na assinatura de seus best-sellers de autoajuda filosófica.

O humor predomina nas discussões em torno da questão judaica (“finkler”, sobrenome do amigo, é como Treslove chama todos os judeus), mas há também melancolia em temas nada relacionados a política. Escrevi sobre o romance na última semana na Ilustrada. Segue abaixo a entrevista com Jacobson, autor de opiniões contundentes sobre o debate em torno da questão judaica, o humor na literatura e o futuro dela como um todo.

 ***

“A Questão Finkler” aborda a experiência de ser judeu na Inglaterra. No que um judeu inglês é diferente de qualquer outro?
Escrevi o livro para tentar entender isso. Ser judeu na Inglaterra não é como ser judeu em nenhum outro lugar, ao menos nos lugares que aparecem na literatura. Não é como ser judeu em Israel ou nos EUA. Os judeus ingleses sempre se comparam aos americanos com inveja pela posição confortável que estes ocupam na cultura. Em Nova York há milhões deles, escritores, músicos ou pintores. Dá para dizer que a cultura americana é quase judaica, pensando no romance americano contemporâneo, por exemplo.

Já na Inglaterra somos uma minoria, só 250 mil no país inteiro. Não fazemos barulho, não pedimos atenção. Não é como se quiséssemos sair do país. Estamos bem aqui. Mas não é uma boa ideia emanar a confiança judaica na Inglaterra. Nos EUA, eles já faziam parte da cultura quando a cultura surgia. Hollywood, os quadrinhos, a literatura, o que você pensar: os  judeus estavam lá. Aqui não, há uma cultura firme, anglo-saxã, que não lhes é hostil, mas não é selvagemente receptiva. Você tem de ir com cuidado.

Fala-se muito no humor inglês e também no humor judaico. Como o sr. definiria o seu tipo de humor?
Sou um autor inglês antes de ser um autor judeu, mas, após tanto escrever sobre a questão judaica, fiquei em dúvida: “Será que pensam em mim como um autor estrangeiro?” Eles pensam e não pensam. Acho que o modo como junto comédia e tragédia, a maneira como brinco com algo sério ou trágico, o jeito como meu humor se arrisca com a dor, isso não é algo que um inglês faria com naturalidade, e eles têm certa dificuldade de entender isso. Não é uma batalha, não quero bancar o mártir. Não estive em campos de concentração, não estou em agonia, só sinto que minha voz não é bem inglesa, é um pouco estrangeira.

O sr. cita no livro uma frase do cineasta Ken Loach sobre o antissemitismo ser compreensível dada a postura do governo israelense. O próprio Finkler, personagem que dá nome ao livro, é antissionista e chega a ser acusado de antissemitismo. Como diferenciar o que é crítica e o que é antissemitismo?
Esse é um tema que exige clareza. Não acho que quem critica Israel seja necessariamente antissemita. Não é errado criticar [o premier israelense] Netanyahu e suas políticas. Muitos judeus são críticos a Israel, muitos israelenses o são. Mas há um problema quando se criticam não só as políticas israelenses, mas os judeus e o sionismo como um todo. Quando vejo isso, desconfio das motivações. A Europa não tem uma boa história com judeus. Gente da França, da Itália, da Alemanha, da Inglaterra, o primeiro país a expulsar os judeus, deveria hesitar antes de criticar o sionismo, que começou como necessidade. Quem não vê essa necessidade, ao menos isso, não entende que àquela altura tínhamos um problema. Não significa que o sionismo tenha terminado bem ou que não saibamos que é um problema para árabes e palestinos. É um problema real e sério.

E é uma discussão central no romance.
Decifrar se as críticas são antissemitas ou não é algo que ocupa muito a vida dos ingleses. Na vida intelectual inglesa há uma obsessão sobre Israel, chegando a ir além de uma posição política honesta. Não há país que você possa amar politicamente e não há motivo para amar Israel politicamente, mas terá Israel cometido crimes para os quais caibam nomes como fascismo e nazismo? E, se não, porque há quem use essa denominação? Especialmente em jornais intelectuais de esquerda… Escrevo para um deles, o “Independent”, e ao longo dos anos tive discussões com outros colaboradores do jornal. Entre eles, Israel virou uma obsessão. Deixou de ser um lugar real e virou fantasia. Assim como para muita gente que ama Israel.

Para os personagens de “A Questão Finkler”, não há uma Israel real. Ninguém vai lá, não há nenhum israelense. Tudo são pessoas trocando impressões, idealizando. Isso é o que me interessa. Podemos ter essa conversa de novo e de novo, e foi o que tentei recriar, essas discussões randômicas, inclusive a parte cômica disso. Temos essa conversa tantas vezes que às vezes olhamos um para o outro e pensamos: lá vamos nós de novo…

Como é a sua relação com Israel?
Já escrevi e fiz documentários sobre Israel. Anos atrás escrevi um livro, “Roots Schmoots”, uma viagem pelo mundo judaico e que termina na Lituânia, de onde veio minha família. Também fiz um documentário para TV, no qual fui crítico a coisas de que não gostei, coisas terríveis que ouvi de ambos os lados. Você já foi a Jerusalém?

Não, nunca.
Jerusalém dá uma sensação extraordinária de viagem no tempo. Você se sente de volta ao mundo bíblico. As pessoas vivem batalhas lá, emocionais, intelectuais, religiosas, como há 5.000 anos. Toda vez que vou a Israel me sinto extasiado e perturbado com isso. Sou um judeu da diáspora, acostumado a viver longe de um grande número de outros judeus. E cresci amando ser alguém de fora. Para um escritor, é útil nunca se sentir em casa, porque a escrita tem a ver com expressar um distanciamento, a sensação de falta de abrigo..

Isso também é importante para o humor. Gosto dos grandes autores israelenses, Amos Oz, A.B. Yehoshua, David Grossmann, são todos maravilhosos. Mas nenhum deles é engraçado. Há uma seriedade, um sentimento de pertencimento. Ser um escritor judeu em Israel não deixa espaço para o humor, isso seria uma espécie de luxo. Quando você lê esses autores, acha que está brincando de ser judeu. Eles devem achar que sou judeu de mentirinha. Até me sinto meio culpado, como se eles fossem os verdadeiros judeus, e não eu.  Depois repenso, não, não é verdade. Porque o humor também faz parte do que é ser judeu. É o humor mais sério que existe, e no entanto é humor. Consigo entender porque os israelenses não têm isso, mas acho que a nova geração pode ser capaz. Eles conhecem essa sensação de falta de abrigo em Israel, muitos pensam que aquele não é o país em que querem viver.

Apesar do humor, “A Questão Finkler” também é bastante melancólico. Como foi conciliar essas duas características?
Sempre gostei dessa mistura em obras de outros autores e não sabia se poderia fazer. Acho que esse livro resultou mais melancólico que meus livros anteriores por causa da minha idade, que já torna tudo mais melancólico, e também porque foi a primeira vez que escrevi sobre alguém bem mais velho que eu. Normalmente escrevo sobre jovens ou personagens da minha idade.

Acho que Libor, o personagem mais velho que perde sua mulher, é o melhor personagem que já criei. Muitos me disseram que ele os fez chorar, e me fez chorar, inclusive. Eu não sabia que se tornaria uma história tão dramática. Só queria escrever sobre um homem que chegou perto dos 90, ficou viúvo depois de um casamento longo e apaixonado, e não sabia o que fazer com a vida agora. Vi pessoas idosas sofrendo com a intensidade do amor, da saudade. É chocante e lindo ao mesmo tempo. É lindo que sintam isso e aterrorizante que ainda sintam isso. Isso faz você perceber que nunca haverá uma época em que sentirá paz.

Sou meio como Treslove, o personagem obcecado pela tragédia, fico imaginando como será quando ela acontecer. Temo saber como seria se minha mulher, a mulher que eu amo, morresse antes de mim, se saberia lidar com isso. Escrevi “Finkler” a partir desse medo, e foi uma nova maneira de escrever para mim. Escrever não sobre o que sei, mas sobre o que temo. O medo me fez escrever com peculiar intensidade e tristeza, e isso atravessa o livro.

O sr. acha que foi a melancolia que fez o livro ser premiado?
Acho que sim. Apesar do lado triste, esse foi o primeiro livro de humor a vencer o prêmio em muitos anos. Não é um livro propriamente cômico, embora faça rir. É um livro trágico, mas é uma boa história dizer que um romance de humor levou o prêmio. Quando o júri anunciou o prêmio e começou a descrever o vencedor, antes de falar o nome do livro, destacou  a melancolia. Jurados disseram que o livro os fez chorar. É difícil alguém ganhar um prêmio só fazendo as pessoas rirem. Ótimos romances, como “Dom Quixote”, fazem rir, mas as pessoas desmerecem isso. Não gostam de rir e de se reconhecer rindo ao ler, não reconhecem isso como algo pertencente à literatura. Eles estão errados.

De todo modo, a melancolia torna mais fácil a aceitação. A mistura de riso e dor,  juntar as duas na mesma frase, fazer alguém rir e chorar, essa é minha ambição.

O sr. escreveu um romance sobre o fracasso literário logo depois de ganhar o Man Booker Prize. Houve alguma relação entre esses dois fatos?
Sim, se chama “Zoo Time” e acabou de sair na Inglaterra. Muitos ficaram surpresos com isso. É claro que isso demanda certa confiança, e ganhar um prêmio importante me fez sentir mais à vontade com um assunto tão sério.

Há um problema sério em relação ao que as pessoas estão lendo. Aqui neste país 5 milhões de pessoas compraram “Cinquenta Tons”. Antes disso adultos liam “Harry Potter”, não só crianças, mas adultos. Então você presta atenção no estado da leitura, vê o nível de degradação a que esse cenário chegou. Vejo estudantes com uma nova forma de arrogância, dizendo que não gostam de determinado livro porque ele não é bom, sem parar para pensar que talvez não gostem por incapacidade de entender.

Eu me preocupo com a saúde da literatura. Comecei a escrever esse livro antes de ganhar o prêmio, então ganhei, e quando você ganha um Booker você não faz mais nada por seis meses –aliás, se não tomar cuidado, não faz mais nada pelo resto da vida. Depois de seis meses, eu me perguntei se conseguiria voltar a esse livro e escrever sobre o fracasso literário. Descobri que sim. Poderia escrever sobre todas as coisas que me preocupam, o fato de livrarias e bibliotecas estarem fechando, a desvalorização da escrita, a perda de concentração dos mais jovens. A ideia de um romance ser algo em que você mergulha por várias semanas sem querer fazer mais nada, tudo isso está mudando.

Poder falar isso do ponto de vista de quem conhece o sucesso, de modo que as pessoas não pudessem dizer que sou apenas um velho fracassado amargo sobre a vida, bem, isso ajuda.

 

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Painel das Letras: Festa para a poesia

Por Folha
23/03/13 03:00

OBS: Cometi o erro mais idiota na coluna: no texto de abertura, o valor para captação na Rouanet do Festival de Poesia de Curitiba é de R$ 539 mil, não R$ 539 milhões, como escrevi no impresso, um valor que não faz o menor sentido para um evento literário. Sabia que era uma coisa e escrevi outra –nossa senhora dos atos falhos saberá explicar. Já avisei o jornal do erro e corrigi no texto abaixo. Peço desculpas aos organizadores. 

***

Um evento anual representativo para a poesia como o Festival de Teatro de Curitiba é para a dramaturgia no país. Eis o plano ambicioso da produtora Abaporu, que teve autorizada a captação de R$ 539 mil via Rouanet. A primeira edição do Festival de Poesia de Curitiba está prevista para outubro, com sete dias de eventos pela cidade.

Planejam-se debates, leituras, shows, performances em faculdades, “saraokês” (mistura de sarau com karaokê) em bares e declamações de poetas populares nas ruas. “A ideia é não fazer um negócio chato”, resume o poeta e curador Sergio Conti. Alice Ruiz cuidará dos debates, para os quais vêm sendo sondados nomes como Arnaldo Antunes, Mário Bortolotto e Chacal. Falta patrocinador, mas está apalavrado o apoio da Fundação Cultural de Curitiba, importante agente cultural da cidade.

Festa para a poesia 2
Poeta maior de Curitiba e marido por 19 anos de Alice Ruiz, Paulo Leminski (1944-1989) não será homenageado no festival neste ano. Se o evento emplacar, ele será lembrado na edição de 2014, quando completaria 70 anos.

Mas a voz do povo já o celebra: primeirão nas recentes listas de mais vendidos da Livraria Cultura e da Martins Fontes, Leminski faz raríssima aparição poética na atual lista de mais vendidos da Folha, em nono lugar em ficção.

Seu “Toda Poesia”, lançado há três semanas pela Companhia das Letras, já teve 15 mil cópias impressas.
E “Arnaldo Antunes Lê Paulo Leminski”, que a produtora Mínimas fez a pedido da editora, teve 18 mil visualizações no YouTube, ante média de 600/mês de outros vídeos da Companhia.

FOTOGRAFIA O Instituto Moreira Salles lança em julho “A Vida em Movimento”, coedição com a Éditions Hazan, com imagens de Jacques Henri Lartigue (1894-1986); elas estarão em mostra no IMS-RJ, em junho

Crônicas A produtora Mínimas já preparou seu segundo “booktrailer” para a Companhia das Letras, baseado em “O Amor Acaba”, de Paulo Mendes Campos. Foi filmado com livreiros de São Paulo como figurantes e deve estrear nos próximos dias.

Repaginada O escritor Antonio Xerxenesky deixou o Instituto Moreira Salles rumo à Cosac Naify, onde assume o cargo de editor do site. Será responsável por levar novos colunistas e colaboradores ao blog da editora.

Cadê? Pedro Cezar (“Só Dez por Cento É Mentira: Manoel de Barros”) teve o projeto do documentário “Tudo Vai Ficar da Cor que Você Quiser” —sobre o escritor Rodrigo de Souza Leão, com roteiro e direção de Letícia Simões e Ramon Mello— selecionado em julho por edital da Secretaria de Estado de Cultura do Rio. Passados oito meses, não veio a verba de R$ 197 mil. A secretaria diz que deve sair nos próximos dias.

Leva Três obras do crítico Luiz Costa Lima devem sair neste ano pela EdUFSC.

Leva 2 “Mímesis: Desafio ao Pensamento”, do crítico, terá nova edição preparada por Sérgio Alcides, que também organiza para a editora da Universidade Federal de Santa Catarina um volume com “Dispersa Demanda: Ensaios sobre Literatura e Teoria” e “Pensando nos Trópicos”.

Matadores A DarkSide Books lança em junho “Serial Killers: Anatomia do Mal”, de Harold Schechter, que analisa matadores e sua ligação com a cultura. Está lá, por exemplo, Ed Gein, inspiração para Norman Bates (“Psicose”) e Hannibal Lecter (“O Silêncio dos Inocentes”).

Fantasia Carolina Munhoz, 24, já teve mais de 20 mil cópias de “A Fada” e “O Inverno das Fadas”, ambos do ano passado, vendidos pelo selo Fantasy, da Casa da Palavra. No próximo semestre, ela lança “Feérica”.

Inéditos A LeYa Brasil quer bombar o 5º Prêmio LeYa, em abril. O concurso, que paga o equivalente a R$ 256 mil, nunca pegou do lado de cá do oceano. Em Portugal, quem ganha vira best-seller.

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Três anos numa favela indiana -e um dos melhores livros de 2012

Por Raquel Cozer
22/03/13 19:16

“Behind the Beautiful Forevers”, um dos livros mais elogiados do ano passado nos Estados Unidos, vencedor do National Book Award e assinado pela jornalista Katherine Boo –que já tinha no currículo um Pulitzer–, saiu por aqui nesta semana.

Não com o melhor dos títulos, é verdade. A Novo Conceito, editora de best-sellers românticos que garantiu esta pérola da não ficção para seu catálogo, escolheu batizá-lo com um infeliz “Em Busca de um Final Feliz”, acompanhado de subtítulo ainda mais triste: “Quando a existência é definida pelos sonhos de pessoas reais, a esperança surge”.

(Ao menos achei boa a tradução do texto, por Maria Angela Amorim de Paschoal, cujo trabalho eu não conhecia –vi que ela verteu alguns dos best-sellers da Novo Conceito.)

Está certo que o título original não fucionaria na tradução literal: “Behind the Beautiful Forevers” significa “atrás dos belos para sempre”, referência a uma propaganda da L’Oreal com os dizeres “Forever Beautiful. Beautiful Forever”, em cartazes ao redor da favela de Annawadi, na Índia –cenário dessa belíssima reportagem de Katherine Boo.

A esperança do subtítulo é certamente a última sensação que terá o leitor do livro, sobre o qual escrevi no último sábado na Ilustrada. De 2007 a 2010, Katherine Boo conviveu com moradores de Annawadi, favela criada em 1991, à beira do aeroporto internacional de Mumbai, por indianos do interior que foram trabalhar numa ampliação de pistas  –efeito parecido com o que os arredores de Brasília testemunharam nos ano 60.

O que impressiona, a ponto de incomodar, é que a todo instante você esquece que se trata de uma não ficção. Tudo ali é verdade, diz Boo –e, para provar, tem mais de mil horas de vídeos, além de fotos, gravações, anotações–, mas ela resolveu, como descreveu a repórter especial Patrícia Campos Mello na resenha também publicada na Ilustrada, “extrapolar magistralmente a técnica ‘mosca na parede’, consagrada pelo novo jornalismo, ao atribuir sensações aos personagens e lhes descrever as intenções”.

Segue a íntegra da conversa que tive por telefone com a autora na semana passada. As fotos da favela de Annawadi acima e no começo da entrevista são de Indranil Mukherjee/AFP/Getty Images. A foto de Katherine na favela, mais abaixo neste post, é de M. Jordan Tierney.

***

Quando você escolheu como personagem o garoto Abdul Husain, ele ainda não tinha sido acusado de um crime [de causar a morte de uma vizinha deficiente, que na verdade ateou fogo a si mesma]. Esse é só um dos desenrolares surpreendentes das histórias que você escolheu. Como foi essa seleção dentro do universo de 3.000 habitantes da favela?
No começo, tentei seguir tanta gente quanto possível. Porque não procurava a história mais sensacional, procurava histórias reveladoras sobre a comunidade. Uma coisa que pensei é que talvez a história de uma cidade que em mutação estivesse escondida em sua pilha de lixo. Você podia ver a prosperidade por meio dela. O lixo é o currículo da cidade, seu raio-X. Quando começaram a chegar garrafas de vinho vazias às pilhas, isso foi um sinal importante.

O que me interessava sobre Abdul era ele ser esse garoto que, essencialmente, sustentava uma família de 11 pessoas. Sozinho. Trabalhando com lixo. E  o que parecia patético é que, para outras pessoas da favela, isso dava a ele uma vida melhor, mais chance que qualquer um lá. No momento em que conheci ele e sua família, cheguei a achar que estava assistindo ao surgimento de uma família de classe média. Me interessava não só a fonte de renda, mas a volatilidade que vinha com isso e que tornava a vida difícil.

Você diz que não procurava a história mais sensacional, mas encontrou –os acontecimentos com Abdul são inacreditáveis.
Uma coisa estranha, quando você trabalha filmando, porque trabalhei muito com videotape, é rever momentos. Quando vi a fita do momento em que descobri [a acusação contra Abdul e sua família]. Foi chocante… Àquela altura eu não fazia ideia do que ia acontecer. Não tinha ainda explorado o sistema judicial, não esperava que, havendo tantas testemunhas… Não esperava que três pessoas fossem parar na cadeia e que a coisa fosse se estender por tanto tempo. Mas há tantas histórias acontecendo, histórias que estão no livro, que demora até você descobrir qual a central.

Você precisou de tradutores para falar com a imensa maioria dos personagens. Como era esse trabalho, você sentia que perdia algo?
Tive dificuldade para encontrar tradutores que trabalhassem como trabalho, com muita paciência e precisão. O que eu fazia, já que estava filmando, era levar os vídeos para meu marido [o escritor indiano Sunil Khilnani] ou alguém em que confiasse e perguntar: “O que acha da qualidade dessas traduções?”. Tentei pegar gente muito precisa. E trabalhar com aquelas três jovens mulheres [as tradutoras] foi brilhante. Elas estavam comprometidas em ouvir o que as pessoas diziam, não em empacotar para consumo. Isso combinava comigo.

Sempre na tradução você perde algo. Nesta entrevista que estamos fazendo, algo se perderá. Mas você sempre pode procurar achar alguém que seja maníaco para fazer aquilo da maneira certa como você.

Depois de tanto tempo lá, como soube que sua investigação tinha terminado?
Acho que foi quando abri o jornal, um dia, e vi uma história de uns cavalos caindo de uma ponte. E pensei: esses devem ser os cavalos de Robert [um morador da favela que costumava pintar seus cavalos com linhas pretas para parecerem zebras]. Em dado momento, todo mundo na cidade estava prestando atenção nos cavalos caindo da ponte. Quando vi aquilo, a preocupação com os cavalos, isso enquanto eu escrevia sobre tantas mortes para as quais ninguém dava atenção, doenças, assassinatos e suicídios que ninguém registrava… Eu estava tão interessada, e foi tão triste perceber que a morte de dois cavalos fosse o que trouxesse o senso de justiça em Annawadi.

Você disse numa entrevista que decidiu fazer o livro ao ouvir amigos, num jantar, questionando se as transformações econômicas na Índia estavam mudando ou não a vida dos mais pobres. Pelo que você investigou, pode-se dizer que sim?
Não há dúvida de que a globalização trouxe mais riqueza para indianos, para a maior parte das pessoas. Nos aspectos mais ordinários, especialmente, foi uma grande mudança. O que diria é que não é tão simples quanto as estatísticas fazem parecer. E uma das coisas interessantes foi notar como as estatísticas eram diferentes do que se via no dia a dia. Há tanta morte e doença, malária, que nem entra nas estatísticas oficiais… Há muitas escolas que existem só no papel. Os índices de criminalidade, assassinatos, de nenhuma maneira refletem a quantidade de violência que há na sociedade. Não só em Mumbai, em todo lugar.

Não é como se a globalização não tenha melhorado nada para ninguém. Tenho certeza de que centenas de milhares de rendas tiveram crescimento significativo, mas ainda é muito difícil para os mais pobres.

Em entrevista recente à Folha, o escritor Suketu Mehta, de “Bombaim, Cidade Proibida”, disse que uma coisa que poucos sabem sobre Mumbai é que 60% da população vive em favelas, incluindo engenheiros, médicos, a classe média… Não era o caso de Annawadi, que era mais pobre do que isso.
Isso entra com a definição de favela. Há grandes favelas no centro da cidade, nas quais muita gente de classe média vive, e onde há muitos serviços. Essas são as mais famosas. No centro há poucos outros lugares para pessoas da classe média viverem. São lugares onde estudantes de faculdade ficam, porque é mais fácil se estabelecer. Mas meu trabalho era com os mais pobres.

Você visitou muitas antes de escolher Annawadi?
Estive por toda da cidade nos três primeiros meses. Desde o começo, estando no centro, me dei conta de que havia favelas com as quais não queria trabalhar, porque não eram representativas das experiências mais difíceis. Havia também similaridades entre as favelas da periferia. Mas o que me chamou a atenção em Annawadi foi que, como o aeroporto ao lado estava crescendo, as pessoas tinham essa ideia de que a vida delas também podia se transformar.

Você descreve momentos íntimos das pessoas em família, inclusive gestos durante o jantar, conversas. Você comenta ao final do livro que repetia entrevistas à exaustão para pegar os detalhes, mas muitas vezes eu me perguntava: ela estava lá quando essa cena aconteceu para descrever tão detalhadamente?
Se descrevo uma cena em que alguém faz um gesto, eu definitivamente estava lá. Também gravei tudo em vídeo, o que altera o processo de escrita quando você volta e revê a cena. Sempre usei áudio como jornalista, essa foi a primeira vez que usei vídeo desse jeito.

Algo desse material foi lançado em vídeo, ou você pretende fazer isso?
Nos Estados Unidos saiu uma versão em e-book com quatro vídeos curtos, um sobre a Fátima, a deficiente que ateou fogo a si mesma, outro sobre Manju, a garota que estava na universidade, outro sobre o trabalho de Abdul… Eu não estava registrando tudo para fazer um filme, era para minha própria capacidade de ser acurada depois. Para poder checar. E, quando falava sobre corrupção e dava nomes, isso me dava mais confiança por ter aquilo gravado.

E acho que há uma questão de privacidade. Nos vídeos há tanta gente fazendo tanta coisa… E não sou cameraman, não sei exatamente o que estou fazendo, as pessoas veem meus vídeos e riem. As pessoas me dizem para fazer um filme, mas não sei.

Uma coisas interessante desse trabalho foi que crianças na favela aprenderam e começaram a usar minha câmera. Eles pegaram vídeos incríveis. Perceberam que havia momentos… Como quando um catador de lixo que morreu. Ele foi espancado pela polícia, e um menino falou: “Me dá sua câmera”. E  tirou fotos. Ele sabia que o que os policiais tinham feito era errado. Foi um senso de poder que ele teve. Houve muitas situações como essa. Às vezes eu entrevistava e um menino de nove anos estava filmando [risos].

Você sabe quantas horas tem de filmagem?
Não sei… Acho que devem ser mais de mil horas, mas não sei exatamente quanto.

Outra coisa que Suketu Mehta fala sobre favelas, em comparação com as do Brasil… Não sei se você já esteve no Brasil.
Não. Meu marido diz que tenho que conhecer. Ele acha que é um dos lugares mais interessantes do mundo.  Leio tanto sobre as mudanças daí que queria mesmo ir. Mas não para escrever outro livro. Só para aprender.

Mehta diz que as favelas no Brasil são mais limpas e com mais infraestrutura, mas mais violentas. Você não conheceu as favelas daqui, mas acha possível comparar com o que conhece de comunidades pobres americanas, por exemplo?
Uma coisa que me impressionou é que há muita violência na favela indiana, mas não uma violência de arma de fogo. As brigas não terminam em morte tão rapidamente, e uma das coisas que penso é por quanto tempo vai ser assim na Índia. Daqui a dez anos será cheio de armas como nas cidades americanas? É uma questão em aberto.

Há violência, mas num grau diferente. O que tento mostrar no livro é que hesito quando falam sobre a Índia como uma sociedade não violenta, como se todos andassem pensando em Gandhi. Há muita violência, estupro, que não é registrada. E ninguém pode dizer o quanto porque não é registrado. Acho que, nas estatísticas que li, a Índia tem menos estupro que a Suécia, e a gente sabe que isso não é verdade. A realidade da vida feminina não entra nas estatísticas.

Por outro lado, nas favelas indianas o histórico sistema de castas local, de segregação, é menos rígido, pelo que você mostra.
Sim, e é por isso que tanta gente vai para lugares como Annawadi. Vão para a cidade grande e pela primeira vez podem escolher seu emprego, em vez de ter de exercer o trabalho designado para sua casta. Uma coisa interessante é que crianças de sete, oito anos, quando você pergunta a elas sobre suas castas, algumas nem sabem do que você está falando. Não é relevante. E você pergunta para as mães, e isso nem era segredo delas, só não é mais uma parte central de suas identidades.

Quando falo no livro da amizade entre [as adolescentes] Meena e Manju, o fato de Manju ser de uma casta um pouco superior, porque Meena é da casta mais baixa, isso não interfere na amizade delas. Mas as pessoas acima de 50 anos têm muita consciência de suas castas. Quando você vai para as vilas, na Índia, você vê os dalits [casta mais baixa] ainda vivendo longe da cidade –eles não são autorizados a viver dentro da vila.

Vivendo tanto tempo com eles na favela, foi possível não se envolver com o assunto da sua reportagem? Passar de observadora a personagem?
Tem um ponto em que você deixa de ser apenas jornalista e se torna apenas humano, sempre, nesse tipo de reportagem. Tem um ponto em que você tem que se envolver. Há um caso, no capítulo 16 do livro, quando uma mulher está sendo arrastada para fora de casa e atacada por homens bêbados, que achei que ia terminar em estrupo. Comecei a gritar. De uma maneira idiota e louca, acho que choquei todo mundo. Mas você faz julgamentos o tempo todo.

Com tudo o que investigou sobre a acusação contra Abdul e sua família, não poderia ter interferido no julgamento?
Meu deus, no curso inteiro do julgamento, que durou anos, Abdul nunca teve seu testemunho tomado. O juiz não queria, nem o advogado queria ter ligação nenhuma comigo. É como tentar ir para a polícia e falar há algo errado. Minha experiência com a polícia foi muito ruim. Há essa ideia de que você é jornalista e pode ajudar. Isso não funciona, pela minha experiência

Você acha que o livro pode ajudá-los em Annawadi? Ou já os ajudou?
Acho que sim. Uma das coisas que fiz, e acho que foi a coisa certa, foi me certificar de que o livro saísse exatamente ao mesmo tempo nos Estados Unidos e na Índia. Se fosse ser atacado, se dissessem que não era verdade, que isso ficasse claro para todos.

Mas, ao contrário, o que aconteceu foi que gente das classes mais altas e do governo indiano se assustou, disse que não fazia ideia. E começaram as conversas. Boas coisas aconteceram em todos os níveis a partir dessas conversas. Não é que o livro tenha mudado as coisas instantaneamente, mas acho que houve e há muita gente que se preocupa. Está havendo a discussão sobre o que fazer para que os hospitais tenham remédio, para que as escolas ensinem crianças em vez de apenas dar dinheiro aos políticos.

E, desde a primeira parcela de pagamento de direitos autorais do livro, que foi em agosto, eu comecei a devolver à comunidade, para ajudar em saúde e educação.

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