Amazon ou Apple: qual a maior vilã da novela?
13/04/12 14:06
A Amazon parece ser o melhor tipo de vilã de novela que existe. Ela arruma briga com qualquer um que atravesse seu caminho, não está nem aí para regras ancestrais do mercado e tem motivações que podem ser vistas com ressalvas por quase todo mundo, mas sabe como ninguém ganhar torcedores, e, se não fosse ela, a história toda não teria audiência nenhuma.
A reviravolta desses últimos dias foi digna de Aguinaldo Silva.
Mas vamos começar do começo.
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Um dos primeiros posts d’A Biblioteca de Raquel, em janeiro de 2010, trazia cenas de alguns dos primeiros capítulos dessa novela. Ainda longe de se empenhar em seduzir editoras brasileiras, a Amazon levava ao extremo as consequências de uma crise enorme com editoras gringas.
Na época, ela tinha retirado de seu site todos os livros físicos e digitais da Macmillan Books, uma das maiores editoras dos EUA, por conta de uma briga sobre o preço dos e-books.
Em resumo, a Amazon queria fazer o que todas as livrarias fazem hoje no Brasil: ter o direito de estipular o preço de venda dos livros, dando-se à liberdade de cortar ou até tornar negativa a margem de lucro em nome do aumento das vendas.
Em tempos de popularização do Kindle, valia a pena comprar livros a, sei lá, US$ 15 e vendê-los a US$ 9,99, porque o importante era ter acervo para estimular a venda do e-reader.
Mas era uma atitude agressiva demais. No Brasil, quase nenhuma livraria vende por menos do que compra –isso só faz sentido quando há um plano de ação maior por trás. O Submarino é um dos poucos varejistas que recorre ao procedimento. Também é conhecido por não prestar contas das vendas com a assiduidade prevista, mas isso é um outro núcleo narrativo desta história.
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Entre as livrarias cujas prestações de contas são mais assíduas, a Fnac pratica um desconto padrão de 20% nos grandes lançamentos, reduzindo a própria margem de lucro, mas ganhando com isso movimentação na loja –que vive também da venda de eletrônicos.
A Amazon fazia isso de forma tão agressiva que as editoras começaram a querer usar o modelo de agenciamento, pelo qual cabe a elas definir o preço final de venda e às livrarias não mais que intermediar um negócio pré-definido. A Macmillan, mais incisiva na briga àquela altura, foi a que acabou com todos os livros eliminados da Amazon, que depois voltou atrás.
Ultimamente, após anos de negociações, e-books de grande lançamentos não saem na Amazon por menos que US$ 14,99, quando a ideia da empresa era vender tudo a no máximo US$ 9,99.
Não dá para definir o vilão nesse caso: a Amazon defende seu modelo de negócio, não o bem estar dos compradores, enquanto as editoras percebem que o modelo de negócio da Amazon, que por acaso beneficia os compradores, sufoca o negócio delas.
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A novela já estava uns bons capítulos avançada quando apareceu a Apple, travestida de mocinha num mercado monopolizado pela Amazon, e disse às editoras que caberia a elas definir o preço final dos livros –modelo que eles chamam nos EUA de agenciamento.
As grandes editoras todas fecharam com ela, ao ponto de, no Brasil, a loja dela estar prevista para estrear ainda neste mês, antes da loja da Amazon (que começou a negociar muito antes), com a aprovação de muitas das principais casas por aqui.
Até que nesta semana a mocinha Apple ganhou ares de maçã podre em manchetes de todo o mundo, ao lado daquela palavra que a gente não ouve tanto desde os tempos de Pablo Escobar, o que decerto não é boa referência: formação de cartel.
Os EUA acusou a Apple e as cinco maiores editoras do mundo (HarperCollins, Hachette, Simon&Schuster, Macmillan e Penguin) de terem atuado em conjunto para chegar a um modelo de vendas. Quem explica bem essa história é a Roberta Campassi, aqui e aqui, no Publishnews.
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O problema não é o modelo de agenciamento, mas o conluio feito para evitar a venda da Amazon a preços reduzidos. As editoras envolvidas podem vir a ter de pagar milhões de dólares em ressarcimento aos consumidores, o que transparece como clara vitória da Amazon.
Das envolvidas no processo, só Penguin, Macmillan e Apple ainda não fizeram acordos judiciais, dispostas a enfrentar a ação na justiça para provar que há distorções no processo.
Hoje foi dia de a Amazon voltar a assumir ares de mocinha.
A varejista, que antes do lançamento dos iBooks detinha 90% do mercado de e-books, aproveitou a deixa para anunciar que está “ansiosa” para voltar a abaixar os preços de seus livros eletrônicos, notícia obviamente recebida com vivas entre os consumidores.
Mas é notório que boas vilãs sabem o discurso exato para seduzir o público.
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Estou cheia de febre, fora da Redação, então neste final de semana não haverá Painel das Letras. Mas neste finde volto ao blog, com posts da Bienal de Brasília, que começa amanhã.