Abaixo, a íntegra da conversa que tive na última quarta-feira com Juergen Boos, presidente da Feira do Livro de Frankfurt, parte dela publicada no sábado na “Ilustrada”. Marifé Boix García, espanhola que trabalha desde 1994 na feira e hoje é vice-presidente, estava junto e fez comentários interessantes. Mantenho aqui as aspas dela, que não saíram na edição.
Ficou enorme, mas vale a pena ler –especialmente a parte em que ele fala da Amazon, de best-sellers, de índices de leitura, mercado e outros temas relacionados.
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RAQUEL COZER
COLUNISTA DA FOLHA
Tão afeito a polêmicas, o meio literário brasileiro terá o que falar quando a Fundação Biblioteca Nacional (FBN) anunciar os autores a serem levados para a Feira do Livro de Frankfurt em 2013.
Na ocasião, a maior feira mundial do mercado editorial terá o Brasil como convidado de honra, e cabe à FBN elencar que escritores nos representarão no megaevento.
“A Nova Zelândia, convidada de 2012, elencou agora os autores que vão a Frankfurt. E a lista tem rendido sérias discussões”, diz Juergen Boos, presidente da feira. O fato é que é uma divulgação importante para o país, e Boos explica por que na entrevista a seguir.
Na semana passada, ele esteve em São Paulo, para o lançamento da versão nacional da Contec, conferência alemã sobre educação e tecnologia, e conversou com a Folha sobre a participação brasileira, o impacto da feira, o mercado editorial e índices de leitura na Alemanha.
Juergen Boos, presidente da Feira de Frankfurt, no restaurante do MAM
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Folha – Como o sr. avalia a preparação do Brasil até o momento para a homenagem na Feira de Frankfurt, no ano que vem?
Juergen Boos – As conversas começaram cerca de três anos atrás. Foi uma uma decisão bastante pensada, porque o Brasil já tinha sido convidado de honra antes. E àquela altura a organização enfrentou complicações, era mais difícil viajar, houve várias questões, embora tenha sido uma participação bem-sucedida, especialmente na parte de traduções.
Desta vez, resolvemos começar cedo e conversar com tanta gente quanto possível. Tomou mais de dois anos, mas agora estamos no caminho. Foi definido o comitê de organização, o programa de traduções está em andamento, instituições alemãs que devem fazer exposições sobre o Brasil até a data da feira têm se organizado. Alcançamos o que podíamos alcançar até agora.
Mas agora o verdadeiro trabalho começa. Falta pouco mais de um ano, é pouco tempo. O comitê de organização tem que decidir que autores levará para a feira, e detalhes como esses é que trarão a discussão à tona. Daqui para a frente, um dos maiores desafios será que qualquer decisão que o comitê tomar será questionada por alguém. Isso tornará tudo complicado.
Lidar com questionamentos é um dos maiores desafios?
Boos – É sempre difícil. A Nova Zelândia, a homenageada deste ano, apresentou agora os autores que vão viajar para Frankfurt em outubro. Faltam só dois meses, e soube que há sérias discussões acontecendo por lá, muita gente está magoada porque não foi convidada.
Ouvi rumores de que o Brasil está para anuciar muito em breve os seus nomes, só rumores. Isso significa que vocês terão muito mais tempo para polêmicas [risos].
Pelo que viram da organização de outros países, o Brasil está bem?
Boos – Não se pode comparar um país com o outro, porque cada país tem suas especificidades. O que podemos fazer é comparar com 1994, então é difícil para mim, que não estava na Feira de Frankfurt na época [Boos começou a trabalhar na feira em 2005].
Marifé Boix García – Eu estava no departamento de imprensa na época. Era outro tempo, acho que o governo não estava tão comprometido quanto hoje. Sei que a associação de editores teve de pagar despesas que o governo não cobriu, e por isso editores estão receosos. Com esse grupo creio que vai funcionar, mas até hoje editores nos questionam, esperam que falemos com o governo.
O que ainda falta conversar com o governo?
Boos – É necessário muita conversa entre editores, governo e todo mundo relacionado ao projeto. O trabalho tem de ser feito agora, não em Frankfurt, lá será só o resultado.
A Catalunha [homenageada de 2007] gastou algo como 20 milhões de euros, sendo que dois terços disso foram gastos ainda em Barcelona, com relações públicas, lobbying, exposições. A participação deles como convidados da feira foi muito política, houve essa discussão sobre nacionalismo na Europa, e tudo isso foi definido antes de eles chegarem a Frankfurt.
Marifé – O que eles fizeram foi convidar jornalistas e editores alemães para Barcelona. E é importante viajar com editores brasileiros para a Alemanha, com grupos que ainda não conhecemos. Tivemos isso agora com um grupo de editores de infantis. Isso abre portas.
Boos – O que repetimos é: o foco não só em 2013, mas no que virá depois. Não é como se trabalhássemos agora só pensando em 2013. É preciso ir adiante, num nível maior, como se a Feira de Frankfurt fosse uma plataforma que lançasse o país a um certo nível no qual ele deve se manter por pelo menos alguns anos. Somos só um ponto de partida.
Essa o sr. deve ouvir com frequência: por que escolher o Brasil neste momento?
Boos – Tudo bem, é minha pergunta favorita [risos]. Isso me dá a chance de falar de tradutores, editores e escritores. Chamo de indústria essa cadeia que vai do autor ao leitor. É claro que é preciso ser cuidadoso ao falar em indústria, porque não é como a de carros ou seguros. Vendemos algo diferente, não produzido só por questões de mercado. É um produto intelectual.
Mesmo um livro de gastronomia é uma história sobre a sociedade. Um romance é uma forma de o escritor definir o mundo, e o leitor pode entender de maneira diferente. Isso é especial.
Com isso em mente, você tem de encontrar um país de identidade forte, com autores muito próprios. Precisamos de uma voz original, isso é a primeira coisa. Levando em conta especialmente a literatura, mas também outros aspectos da cultura, arquitetura, filme, jogos, que hoje estão muito perto da literatura, porque todos os jogos querem contar uma história.
Em segundo lugar, você precisa encontrar interessados nessa voz original, editores que queiram conhecer essa literatura e outros interessados no país. Por isso o programa de tradução. Não podemos esperar que, sem isso, haja interesse na literatura de um país.
O interesse pode existir por questões políticas, econômicas, que são uma oportunidade de tirar a literatura do escuro. Neste momento todo mundo olha para o Brasil, e a literatura ajuda a entendê-lo. É mais fácil discutir questões econômicas, políticas e sociais se há luzes sobre a literatura.
E qual é essa voz original brasileira? A literatura brasileira é conhecida na Alemanha?
Boos – Conheço só os nomes velhos, Jorge Amado. É preciso trazer os novos. Isso não era algo que discutíamos. Antes eu nem poderia poderia nomear brasileiros, porque não eram traduzidos.
Marifé – Há um centro cultural brasileiro em Frankfurt, que organiza leituras de brasileiros. Levam quatro ou cinco por ano. As leituras são bem frequentadas, públicos de 80 ou 100 pessoas. É uma instituição privada, trabalha com a ajuda da Tam. Isso significa que conseguem trazer o autor do Brasil de avião, mas algumas vezes não têm o dinheiro para pagar uma viagem de trem de Frankfurt para dentro da Alemanha, onde há grande comunidade brasileira.
Ainda há muito a fazer. Mas eles trouxeram gente como João Paulo Cuenca, Carola Saavedra, Beatriz Bracher, Santiago Nazarian. Alguns estão traduzidos.
Como vocês identificaram essa voz original brasileira, se ainda é pouco conhecida?
Boos – Conversei como gente como Marifé, que acompanha mais de perto, e acadêmicos de literatura. Há essa organização, a LitCam, que presta atenção na literatura feira na África, na Ásia, na América Latina. Essas pessoas acompanham o que sai nesses países. Ou seja, há interesse permanente no que vem de fora, e posso notar como passa de uma área a outra.
E, sendo um pouco vaidoso, acho que podemos influenciar nisso. Desde que anunciamos o Brasil, editores alemães começaram a fazer contatos. O interesse existe principalmente pela situação econômica, e usamos isso para oferecer em troca um interesse pela cultura.
A que o sr. atribui o anterior desinteresse pela literatura produzida hoje no Brasil? Falta de investimento, falta de boa literatura?
Boos – Você pode sempre culpar o governo, mas não é o suficiente quando se fala de cultura. O que acontece é o que vemos no mundo inteiro, o que é mais perigoso e nunca pensei que fosse acontecer. É uma globalização de um tipo de literatura… Todo mundo fala agora de soft pornô, todo mundo começa a escrever isso, todo mundo no mundo, isso é transparente.
E é mais difícil conseguir traduções da boa literatura, você tem de ter tradutores qualificados. Isso leva ao governo: tradutores precisam de subsídios, treinamento. Têm de viajar, ir aos países. A Islândia, por exemplo, deve ter 20 tradutores no mundo todo, para todos os países. Português deve ser mais fácil, mas não sei quantos deles podem fazer traduções literárias de qualidade para o alemão ou o inglês. Não diria mais que 20.
Marifé – O importante, e isso é o que proponho ao Galeno Amorim [presidente da FBN e coordenador da organização da participação brasileira em Frankfurt] e a editores, é convidar jornalistas, tradutores e editores alemães e deixá-los escolherem os livros que quiserem. O governo tem de pagar, mas não é caro. Isso é dinheiro bem investido. Do nosso lado, o que podemos fazer é abrir as portas. É uma pena se você investe sem ter a certeza de que o público alvo existe. Você faz às cegas e espera que alguém na feira descubra.
A Feira de Frankfurt não é uma Bienal do Livro, aberta ao público, é uma feira de negócios, e os editores alemães têm outras coisas a pesquisar, não estarão pensando só no Brasil. Eles têm de vender suas coisas também. Então, é preciso acessá-los antes e depois da feira.
Tirando as grandes editoras, muitas não sabem como agir. No Brasil, não é comum existir um editor só para vender direitos e outro para comprar, geralmente a mesma pessoa faz as duas coisas. Mas o editor tem que saber o que quer, comprar ou vender.
Vocês falaram em público alvo. No caso da feira, qual a prioridade? Sempre que falamos da Feira de Frankfurt, de traduções, citamos a chamada alta literatura, mas o fato é que na feira sempre aparecem os grandes best-sellers.
Boos – Sim, quando falamos no convidado de honra, pensamos na alta literatura, mas Frankfurt… A feira é de negócios. São os maiores editores nas áreas de educação, científica, técnica, de autoajuda, de negócios, infantis, e lá atrás, mas bem atrás mesmo, está a literatura.
Não queremos ser só negócios, queremos priorizar cultura e política, então colocamos a literatura no centro. Na homenagem à Turquia [em 2008], tivemos Orham Pamuk, que ganhou Nobel, e ele foi crítico ao presidente, fez o discurso de abertura, isso foi importante.
O que tem de estar claro ao convidado é o seu objetivo. Você quer apoiar a indústria editorial, quer ajudar os autores a serem conhecidos, quer estimular o turismo no Brasi? Tem objetivo político, como os catalães, que discutiram a nacionalidade na Espanha? Você tem que saber a resposta. Diria que, no caso do Brasil, as prioridades são os autores, depois os editores e em terceiro lugar a presença do país como um todo no exterior. Mas essa é só minha impressão.
Marifé – Viajei para Bogotá neste ano, onde o Brasil foi homenageado. Nossos amigos, Galeno e os outros, disseram que era um teste para Frankfurt, eles aceitaram esse convite depois de saberem que eram convidados de Frankfurt, e o que apresentaram lá foi baseado na ideia de diversidade. A diversidade do país foi o slogan, o grande mote.
Boos – Não sei ainda o mote da participação brasileira, devemos saber em breve. A Nova Zelândia preparou uma slogan na linha “enquanto você está dormindo”, porque o país fica no meio do nada, eles acordam quando o resto do mundo dorme. É uma ótima ideia.
O Brasil terá de apresentar um autor representativo para receber, neste ano, o bastão da Nova Zelândia. Quem escolhe essa pessoa?
Boos – Essa será outra grande discussão, porque tem que ser um grande nome. Haverá um autor da Nova Zelândia falando e outro do Brasil. O Brasil escolhe, podemos dar sugestões, mas nunca interferimos. Vocês é que têm de saber como querem ser vistos. Vocês podem saber que tal autor não é bom para a forma como querem ser apresentados. E nós podemos dizer, bem, essa pessoa pode não ser boa, já que nunca nem foi traduzida.
Na Nova Zelândia, houve um autor que com quem eu tinha problemas por várias razões. Falei que eles não deveriam trazer porque a pessoa causaria problemas. Enfim, é difícil.
A participação da Argentina, em 2010, foi criticada pela escolha de símbolos nada literários para representar o país, como Maradona e Evita. Nem assim a feira interfere?
Marifé – É delicado, há diplomacia envolvida. É claro que os jornalistas queriam ouvir que o governo estava fazendo tudo errado, mas não diríamos isso. Mas também é claro que focamos na literatura e na sociedade de hoje.
Boos – Importante é olhar para a sociedade de hoje, não para o passado.
Já se pode sentir impacto da escolha do Brasil como convidado em 2013?
Boos – Sim, porque o programa de tradução já começou. Nas últimas semanas, especialmente, muitos editores alemães me perguntaram sobre o Brasil e sobre como entrar em contato com as editoras. Isso é complicado, porque há no Brasil só um ou dois agentes especializados. Na Alemanha, há agentes especializados na America Latina, não especificamente no Brasil.
Por falar nesse programa, uma editora alemã [Königshausen & Neumann] escolheu o romance de um senador e ex-presidente brasileiro, chamado José Sarney, para traduzir. Isso chamou a atenção, porque Sarney não é especialmente conhecido pela obra literária.
Boos – É um livro político?
Não, é um romance, “Saraminda”. Sarney faz uma literatura regionalista.
[Boos pega o Macbook, pergunta como soletra o nome e começa a pesquisar.]
Marifé – Bem, essa é uma decisão da editora. Se eles acham que podem vender, eles decidem. E o Brasil deve estar aberto a oferecer esse apoio.
Boos – [ainda lendo no MacBook] 1987… [data de “Saraminda”]. E ele é um membro da Academia Brasileira de Letras. Bem. E ele tem 80 anos? Tem essas questões políticas, estou vendo [continua lendo ao longo das próximas perguntas].
Como são essas exposições paralelas sobre o Brasil por ocasião da feira?
Marifé – Isso nós não negociamos, mas temos duas pessoas na feira que cuidam do contato entre o convidado de honra e outras instituições. Eles ajudam a organizar encontros, mas não interferimos. Já há planos para exposições nos museus mais importantes de Frankfurt.
Mais cedo, vocês citaram Juca Ferreira. Já encontraram a nova ministra da Cultura?
Marifé – O contato foi assinado com Juca Ferreira, e agora, infelizmente…
Boos – [para de ler no MacBook por um momento] Ainda ainda não conseguimos encontrar a ministra, mas tomara que seja possível amanhã, na Bienal de São Paulo, se ela for [Ana de Hollanda foi, mas não encontrou Boos e Marifé].
Por que não a encontraram ainda?
Boos – Estivemos no Brasil algumas vezes, encontramos outros membros do governo…
Marifé – Encontramos o secretário executivo [do MinC], Vitor Ortiz, mas não a ministra.
Boos – Não sei a razão. Estava ocupada, talvez. A presidente mandou chamá-la, não sei. Veja: o último livro de Sarney é de 1991 [Boos defende que traduções priorizem autores na ativa]. Saiu na Alemanha, mas não está mais em catálogo, segundo a Amazon.
A Amazon deve chegar ao Brasil neste ano. Como é a presença da empresa hoje na Alemanha? Aqui a ideia é vista com ressalvas pelo mercado.
Boos – Foi o mesmo quando Gutenberg criou a impressão. De repende, livros estavam disponíveis em todo lugar, e agora estão em todo lugar na internet. Na época de Gutenberg, eles eram caros e ninguém podia ler, demorou dois séculos para a coisa engrenar. O mesmo acontece agora. Os e-books estão em todo lugar, mas pouca gente lê. Não estão acostumados, não querem ler no celular, entao vai demorar um tempo.
A Amazon tem uma fatia grande do mercado alemão, porque é conveniente, as pessoas não precisam ir à livraria, podem encomendar e receber no outro dia. O livro do Sarney, por exemplo, está fora de catálogo, mas tem ali uma edição em segunda mão à venda.
Os e-books não fazem tanto sucesso na Alemanha quanto nos EUA porque ainda temos livrarias em todo lugar, em qualquer esquina. No Brasil, você tem livrarias nas grandes cidades, mas acho que nas menores é mais difícil. Suponho.
A Amazon começou com livros impressos e boa distribuição. Foram espertos, começaram nos países de língua inglesa, daí foram para países de língua alemã, similar na estrutura, e daí para a Espanha. Mas mais interessante agora é a canadense Kobo, que foi comprada pela Rakuten, que está para o Japão como a Amazon para o resto do mundo. Ela estreará em 20 países nos próximos meses, incluindo o Brasil. Isso obrigará a Amazon repensar estratégias.
Em 2008, com a crise, o mercado editorial encolheu em vários países. Como foi isso na Alemanha? Como está esse mercado hoje?
Boos – Nos últimos três anos, o mercado alemão vem se mantendo num certo nível, cresce ou encolhe muito pouco. O mais interessante é que há mais títulos publicados do que nunca, os preços subiram um pouco e o faturamento continua o mesmo. A conclusão: menos exemplares por títulos, as pequenas vendendo menos, e best-sellers como “Cinquenta Tons de Cinza” vendendo mais do que nunca.
Isso é perigoso, porque mostra que as pessoas estão interessadas só naquilo que é muito divulgado. Isso acontece no mundo inteiro. É um problema de educação. Temos de mostrar às crianças que há mais. Meu filho tem 12 anos e tudo o que lê é uma série de James Bond para crianças. Tento fazê-lo ler outras coisas, mas ele sempre quer o próximo número da série.
O que pode ser feito, então, para fomentar a leitura, se mesmo o sr., que trabalha com isso e na teoria poderia ajudar seu filho, não consegue convencê-lo a ler outra coisa?
Boos – Na minha casa temos muito livros, mas a verdade é que ele não quer ser influenciado por mim. Recomendar algo é a melhor maneira de fazer ele não querer ler. Tento outras maneiras, indiretamente. Ele fica no YouTube o tempo todo. Então pego um bom livro e digo: “Veja, fizeram um filme em Hollywood baseado nesse livro”. Essa coisa de conversão de mídias.
Também tento enviá-lo para a livraria, e ele fica circulando. Não faço ele comprar livros específicos, faço ele ir e escolher. Uma vez que ele está lá, ele acaba escolhendo. Compro James Bond para ele, o quanto ele quiser, mas que tenha acesso a outros.
Dizem no Brasil que nosso governo está entre os que mais compram livros para escolas e bibliotecas. Como vê ações governamentais nesse sentido?
Boos – Acho positivo. Dar acesso aos livros é importante. Livreiros também têm de ir onde está o povo. Fazer leituras, iniciativas sociais, porque são organizações pequenas. Estamos com uma iniciativa chamada “o futebol encontra a cultura e a literatura”, para crianças pobres da Alemanha, especialmente descendentes de imigrantes que têm problemas com a leitura.
Falamos com times de futebol, e elas têm permissao para treinar com esses times duas vezes por semana. Depois do treino, têm uma hora de práticas de leitura. Não é como a escola, mas tentamos torná-las interessados na leitura combinando-a com o jogo. As crianças querem treinar, então também leem. Temos uns sete times participando, com patrocinadores.
Como são os índices de leitura na Alemanha hoje?
Boos – Há muita gente vinda de Leste Europeu, gente que nem fala alemão. Os índices de leitura estão caindo. Acho que temos 4 milhões de pessoas, de um total de 80 milhões, que foram à escola, aprenderam a ler e não conseguem ler mais, e esse número está crescendo. Essas pessoas têm empregos simples, veem TV, usam celular, mas na prática não conseguem ler.
Tento não ser pessimista. Leio muito, tenho a sorte de que meu filho leia, embora nossos hábitos sejam diferentes. Ele lê e faz outras coisas ao mesmo tempo, lê um impresso e checa o Facebook no smartphone ao mesmo tempo. Os pais são um exemplo, mas estão vivendo em outro mundo. Hoje, até um jogo de videogame pode capturar uma criança para a leitura.
É importante começar cedo, não esperar até a faculdade. E o governo tem que participar, treinar professores –porque eles são da minha idade, não estão acostumados com as novas mídias. Não há problema em se divertir lendo. Aliás, o mais importante é se divertir.