No século 19, várias livrarias brasileiras lembravam farmácias, e não só porque os livros ficava protegidos por estantes envidraçadas atrás dos atendentes, como se o Ministério da Cultura proibisse a leitura sem receita, mas também pela oferta de produtos. Elas tinham remédios, perfumes, chás. Tinha rapé também, mas rapé a gente não acha mais nas drogarias.
Soube disso pelo “Pequeno Guia Histórico das Livrarias Brasileiras”, de Ubiratan Machado, que li uns anos atrás. O livro conta histórias de cem livrarias, desde os primórdios delas no Brasil, de uma ou duas páginas, no máximo, com textos acompanhados de ilustrações ou fotos em pequena parte dos casos, o que deve ter dado um trabalho de pesquisa do cão.
(Só um parêntese antes de alcançar o assunto, porque digressão é vida: lembrei que o livro fala da primeira “megastore” brasileira, que não seria megastore hoje, é claro, era só grande. Ficava em Belo Horizonte e chamava Oscar Nicolai, como o dono. Nos anos 40, quando a guerra dificultava a importação de obras europeias, ele teve a ideia de oferecer títulos latino-americanos, que ninguém oferecia. Hm. Não lembro como termina a história, então o parêntese acaba aqui.)
***
Lembrei desse livro e das fotos cuja pesquisa deve ter dado um trabalho do cão por causa de uma exposição que a editora Unesp abre na terça (24), em celebração de seus 25 anos.
Ela se chama “Impresso no Brasil” e é baseada no livro homônimo, de subtítulo “Dois Séculos de Livros Brasileiros” (2011), com ensaios organizados por Aníbal Bragança e Márcia Abreu. O livro é um apanhado de boas histórias e análises, pena que o assunto tão fartamente imagético tenha saído sem fotos, o que na época lamentei (a gente sempre espera um encarte que seja, embora encartes que sejam encareçam a edição como o diabo). Mas a mostra reúne 90 delas para contar um pouco da trajetória do livro e da leitura no Brasil.
São 30 painéis, com histórias como a da Abril Cultural, que só na década de 1970 vendeu 18 milhões de livros em bancas –incluindo as traduções de “Crime e Castigo”, “Madame Bovary”, “Germinal” etc. que os pais de todo mundo da minha geração (digo, todo mundo que teve sorte de ter pais preocupados com isso) compraram e que, portanto, foram a porta de entrada da literatura adulta para gente a perder de vista.
O "Manual da Maga e Min" saiu pela Abril a partir de 1971. Nada a ver com o texto acima, mas é que uma capa com a Madame Min é mais legal que a da "Madame Bovary", monocromática como todas as capas dos clássicos da Abril
Outro deles é dedicado à Civilização Brasileira, selo da Record desde 2000, mas que, antes disso, principalmente entre 1959 e 1970, sob comando de Ênio Silveira, destacou-se por seu catálogo e pela edição sofisticada dos livros. Durante a ditadura, Silveira foi preso sete vezes e a livraria da casa sofreu dois ataques a bomba, entre as pressões para que fechasse as portas.
A capa do livro Campos de Carvalho, de 1964, foi criada por Eugênio Hirsh, artista vienense de renome internacional que foi diretor de arte da CB, a partir de ilustração de Poty
Este poderia ter entrado no post de pôsteres pró-leitura, para mostrar que a gente também sabe fazer ler (ou tentar)
A Companhia Editora Nacional, que hoje publica didáticos e paradidáticos, foi bem importante entre 1925 e 1970. Foi criada por Monteiro Lobato e Octalles Marcondes Ferreira, e tanto seus projetos editoriais quanto seus catálogos viraram referência, como nos dois casos abaixo.
A capa de "Arranha-Céu", de Benjamin Costallat, de 1929, é assinada por ninguém menos que Di Cavalcanti
Ok, isso é uma curadoria sentimental: lançada em 1957 pela CEN, "Aventuras de Xisto", de Lúcia Machado de Almeida, depois integrou a Coleção Vaga-Lume, que dispensa apresentações pelo menos para quem viveu os anos 80
***
Esse post tem potencial para se tornar infinito, então parei. E acabei de perceber que o título fala de dois séculos de livros em imagens, mas o post só tem imagens de um deles. Juro que a mostra tem os dois. Fica em cartaz por uma semana só, de terça a sábado, das 9h às 18h (no sábado acaba às 14h), no Instituto de Artes da Unesp (r. Dr. Bento Teobaldo Ferraz, 271, do lado do metrô Barra Funda).