As trilhas que a gente cria no cérebro
25/02/12 12:26
Helio Schwartsman roubou minha ideia antes mesmo que eu pudesse tê-la, o que é sempre uma leitura possível para o fato de ele ter tido a boa sacada, e eu não.
Foi numa coluna publicada no começo do mês na página 2 da Folha (para assinantes), por ocasião da greve da PM baiana, que ajudou a alimentar aqueles debates nos quais ninguém nunca vai mudar de ideia nem desistir de tentar mudar a dos outros.
A mote era a incongruência do pensamento de quem veste a camisa de um partido, seja ele qual for. Schwartsman lembrou o estudo do psicólogo Drew Westen, que monitorou os cérebros de militantes partidários enquanto viam seus candidatos caindo em contradição.
Nas palavras dele: “Quando confrontados com informações ameaçadoras às nossas convicções políticas, redes de neurônios associadas ao estresse são ativadas. O cérebro percebe o conflito e tenta desligar a emoção negativa. Circuitos encarregados de regular emoções recrutam, então, crenças capazes de eliminar o estresse. A contradição é apenas fracamente percebida.”
A coisa ia adiante até a conclusão de que simpatizantes de um partido ou outro chegam a sentir prazer ao ignorar as próprias contradições.
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A coluna me chamou a atenção porque bem naquela época eu terminava de ler “O Cérebro que se Transforma“, do psiquiatra canadense Norman Doidge, recém-lançado pela Record.
Não conheço mais que os rudimentos básicos de neurociência (a.k.a. aquilo o que a Wikipedia conta), mas Doidge fala para gente como eu (não vou colocar você nesse balaio).
É uma defesa da neuroplasticidade, a ideia de que o cérebro não tem estrutura tão fixa que não possa ser alterada por exercícios. Bem, você decerto já ouviu a história de que neurônios não nascem nem se reconstituem em adultos, e o ele explica é por que essa ideia se tornou tão arraigada e descreve casos e estudos que ajudaram a provar o contrário.
A coisa toda é bem interessante, com histórias que vão da primeira “cirurgia” para acabar com uma dor fantasma (aquela que amputados sentem em membros que já não têm) a casos como o da mulher que descreve com detalhes situações que aconteceram em qualquer dia da sua vida, mas é incapaz de entender a diferença entre conceitos como “a irmã da mãe” e “a mãe da irmã”.
No fim, é um livro de altos e baixos, que alterna ótimas histórias com tediosas explicações sobre conceitos freudianos que todo mundo já conhece e até uma veemente (e difícil de engolir) defesa de um médico que fazia experiências agressivas com chimpanzés.
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A definição que mais bem me esclareceu a ideia toda da neuroplasticidade foi a do neurologista Alvaro Pascual-Leone, que Doidge cita lá pela metade do livro. A ela:
“O cérebro plástico é como uma colina nevada no inverno. Aspectos dessa colina –a inclinação, as pedras, a consistência da neve– são, como nossos genes, determinados. Quando descemos em um trenó, podemos pilotá-lo e terminar ao pé da colina seguindo um caminho determinado por como pilotamos e pelas características da colina. É difícil prever onde exatamente terminaremos porque há muitos fatores em jogo.
Mas o que definitivamente acontece na segunda vez em que você desce a ladeira é que será bem mais provável que você se encontre em um percurso que tenha relação com o caminho que tomou da primeira vez. Não será exatamente o mesmo caminho, mas será mais perto deste que de qualquer outro. E, se você passar a tarde inteira descendo de trenó, subindo e descendo, no final terá alguns caminhos que foram muito usados e outros que foram usados muito pouco.
E haverá trilhas que você criou, e agora será muito difícil sair dessas trilhas. E essas trilhas não são mais geneticamente determinadas.”
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Fica aí a recomendação do livro, para quem quer entender um pouco melhor o que se passa na cabeça da gente.
Mas voltemos ao início deste post. Embora o livro de Doidge nada tenha a ver com política, o finalzinho do trecho acima para mim resume toda a questão da militância radical, que sempre causa tanta gastrite em anos de eleições (já separei o Omeprazol). E não trato aqui especificamente de progressistas ou conservadores ou esquerda ou direita ou seja o que for.
A questão é que a linda metáfora poético-neurológica da colina ajuda a explicar por que quem vive de alimentar rancores por quem pensa diferente costuma assumir um discurso tão agressivo quanto aquele a quem critica –e é incapaz de notar isso. E porque a tendência será esse caminho se tornar cada vez mais marcado e o discurso cada vez mais incisivo ao longo da vida.