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Hector Abad: "Ir ao teatro é como comer fígado cru de cachorro"

Por Raquel Cozer
09/04/12 00:41

Abad, com essa cara de bom homem, virou persona non grata dos "teatreros"

Mais de cem companhias de cerca de 30 países ocupando por 16 dias algo como 20 salas de de Bogotá, sem contar uma infinidade de peças de rua (não eram infinitas, só não contei). E o escritor colombiano Hector Abad Faciolince resolve, dois dias após o começo do Festival Ibero-Americano de Teatro de Bogotá, abrir assim sua coluna no prestigioso “El Espectador”:

“Há gente que tem fobia aos sapos, aos aviões, às cobras. Eu tenho fobia ao teatro. Digo sem orgulho, quase com pena: ir ao teatro me causa aversão parecida com comer o fígado cru de um cachorro. Os comediantes entram no palco, gritam, gesticulam, fazem o público rir, e sinto uma mescla de constrangimento, raiva e mal-estar. Quero sair correndo. Sentado na cadeira, não posso: vejo um espetáculo ridículo, caduco, morto-vivo. Uma velharia que cheira mal, uma farsa.”

Sob o sutil título “Contra o teatro”, ele assume a irracionalidade da fobia. Lembra que os sapos causam nojo, embora sejam inócuos, e diz que “teatreros” (como seria isso em português?) são inofensivos como os sapos. E daí argumenta: gênios da literatura, como Shakespeare, Ibsen e Sófocles, fizeram teatro, mas isso quando eles e o teatro estavam vivos. “Homero era um gênio e escreveu as obras primas do épico, mas a quem ocorre hoje fazer poemas épicos?”

***

Bem, os teatreros em Bogotá viveram dias de fúria. Segundo Abad, que neste domingo publicou uma tréplica, nunca um artigo seu provocou tanta ira. A réplica mais contundente, do diretor Fabiano Rubiano, começa dizendo que de fato você esbarra em muita peça ruim até encontrar uma boa, “tal como acontece na literatura”, para então elencar os erros de Abad:

1) Homero nunca escreveu –narrava e, como era cego, também devia fazer gestos repugnantes para quem tem fobia a gestos; 2) Os poemas épicos foram feitos séculos depois de Homero; 3) A Cervantes também disseram que romances de cavalaria eram ultrapassados quando escreveu “Dom Quixote”; 4) Ai, cansei. A resposta é boa, mas enorme, o resto você lê aqui.

A tréplica de Abad saiu neste domingo, sob o título “A arte como obrigação”. E vai ainda mais longe que o artigo inicial. Diz que o teatro, quando “estava vivo e era importante”, era combatido pelas autoridades, mas que agora elas o financiam e ainda assim as salas ficam vazias.

“Talvez o que eles temam –porque muitos vivem da teta pública– é que o Estado perceba que o teatro é um pouco menos importante que a água potável e as escolas, e dê mais fundos a essas coisas que às obras dos iracundos que vivem de subvenções públicas, mas não de público.”

***

Não acho coisa do demônio o incentivo público à cultura, embora  tenha fortes ressalvas à maneira como isso é feito no Brasil. E não faço ideia de como é na Colômbia, então não seria honesto entrar nesse ponto. Ouvi de colombianos críticas ao teatro local, mas as três peças do país que vi eram bem ok. Uma delas inclusive achei ótima. E olha que era teatro dança. Se o teatro morreu, tive ótimas experiências post-mortem no festival em Bogotá.

De Abad, me impressionou a virulência dos textos, até porque uma argumentação violenta sempre enfraquece uma discussão. Ele esteve no Flip de 2011 e não me lembro dele como alguém irascível. Ok, a bem da verdade, não lembro praticamente nada sobre a passagem dele pelo Brasil (ele veio mesmo? A Restrepo não ganhou por W.O.?).

E ele não está entre os poucos colombianos que li –com o autor que leio nestes dias, completo uma mão. Mas devo lê-lo em breve: ele volta ao Brasil neste mês para a Bienal de Brasília, quando lançará “O Livro de Receitas para Mulheres Tristes”.

Até entendo pontos da argumentação dele, embora ache que também poderiam ser usados contra a literatura e discorde do contexto geral. O que posso dizer é que queria ter Hector Abad ao lado sempre que alguém do “Você gosta de teatro?” me abordasse na Paulista.

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Comentários

  1. Arthur comentou em 11/04/12 at 20:30

    Tive pouquíssimas experiências ruins com o teatro. Não que eu tenha visto muitas peças: a primeira que vi (sem ter participado dela) foi há 7 anos. No entanto, ainda que as tenham sido poucas as peças ruins, algo bastante parecido com os argumentos de Abad veio à minha cabeça, de forma bastante generalista. Estereótipos e pré-conceitos, admito, mas eles não surgiram do nada, do inconsciente coletivo.
    Enfim.

    • Raquel Cozer comentou em 11/04/12 at 22:18

      É, acho difícil. Confesso que fui lendo e pensando que quase tudo aquilo poderia ser dito sobre a literatura. No entanto… no entanto… de fato existe uma certa ideia de que quem não gosta está sendo ignorante. Como se fosse obrigação nossa gostar de uma coisa ruim. Senti muito isso quando cobri dança para a Ilustrada. Mas em teatro, felizmente, eu tive MUITAS mais experiências boas que ruins

  2. Marcelo Hartuing comentou em 11/04/12 at 11:54

    O teatro, em si, é uma arte maravilhosa, base para tantas outras manifestações culturais. O que seria do TV e do cinema sem as referências do teatro? O problema é que os séculos se passaram e não houve uma releitura ampla dos conceitos que norteiam autores e atores, algo deveras necessário pois hoje concorre-se com dezenas de outros meios além da literatura. Ao não existir tal proposta adequada aos novos tempos, o teatro acaba mesmo visto como algo pegas, demodé, forçado, sem apelo aos espectadores. Tudo se complica quando há gente incompetente tentando mexer as estruturas, como nestas repugnantes peças que interagem demais com a platéia. O que acontece, no fundo, é que a pressa e a superficialidade da sociedade moderna acaba afastando as pessoas do teatro: poucos, hoje, interessam-se pelas minúscias na atuação, pelo improviso, pelo calor da interpretação ao vivo. Esse poucos não deixarão o teatro morrer, felizmente.

    • Raquel Cozer comentou em 11/04/12 at 16:25

      Uma coisa é verdade: as pessoas têm cada vez menos tempo. Daí teatro e literatura precisam se manter relevantes para merecer tanto da atenção delas…

  3. pedro borges comentou em 11/04/12 at 11:42

    o que achei mais relevante na discussão foi o seguinte: o teatro, para sobreviver, precisa se manter vivo e alcançar relevância; há quem milite no teatro (ou na literatura, ou nas artes cênicas etc.) que pensa que o povo, e principalmente o estado, precisa cultuá-lo e admirá-lo incondicionalmente. daí sai muita porcaria e muito artista de nariz empinado esnobando quem não embarca na sua onda. são os mesmos artistas que se contentam, por vezes, em ter financiamento para fazer suas montagens, sem se preocupar com a formação de público – público realmente formado é mais crítico, tem essa.
    a outra coisa é justamente a da questão do financiamento. de onde vem o dinheiro? da coisa pública? e de onde virá o público? teatro, como qualquer outra arte, especialmente a bancada por “caminhos estatais”, não pode ser apenas meio de vida, na pior acepção possível da palavra.

    • Raquel Cozer comentou em 11/04/12 at 16:23

      A questão de alcançar relevância é fundamental, Pedro, concordo. Confesso que saio vez por outra do teatro (ou da leitura de um livro) pensando por que perdi tempo com aquilo, se não me trouxe nada de novo –nem prazer, no caso do experimental que não se preocupa com o outro, mas, como você disse, com o próprio nariz empinado.

  4. Raimundo comentou em 11/04/12 at 8:45

    Nós que fazemos teatro, ficamos azedos quando alguém diz coisas tão duras como as que Abad escreveu. penso que ele tem o direito de fazê-lo. Não precisamos concordar. Fobia é fobia. Eu tenho as minhas, todos nós temos algo que rejeitamos da mesma forma que o escritor do belíssimo livro “A ausência que seremos”. Tento compreendê-lo e me pergunto: como um escritor tão sensível não consegue gostara de teatro? A reposta que me dou diz respeito, talvez, ao teatro que ele tem visto. Um teatro ruim. Cabe a nós homens e mulheres que fazem teatro pensar um pouco no que ele diz e responder cena com trabalhos de qualidade que mantenha o teatro vivo.

    • Raquel Cozer comentou em 11/04/12 at 11:15

      Mas os argumentos dele não são tanto de fobia, né? O Osvaldo, abaixo, fez uma boa leitura disso

  5. Grace Gianoukas comentou em 10/04/12 at 21:29

    Todas as coisas que existem, só existem porque interagem entre si. A interatividade é base para a vida. O espetáculo de teatro, só acontece quando há espectadores.. Porém eu acredito que a interatividade como “recurso” cênico, tem sido mal interpretada por alguns trabalhadores do teatro.. Obrigar uma pessoa da platéia a subir no palco, ofender ou constranger o público que não está a fim daquele jogo proposto pela encenação, é covardia e pequenez humana, é recalque do ator..E, acima de tudo, é um tiro no pé das artes cênicas.. Quem tem vontade de voltar ao teatro depois de ter pagado mico? Eu, não volto…e também não faço isso com o meu público, eu tenho respeito às pessoas que, escolheram deixar o conforto de suas casas e, entre tantas opções de cultura e lazer, decidiram assistir à um espetáculo teatral… Não se obriga ninguém a ir ao teatro, nem a permanecer na platéia de um espetáculo, as pessoas vão porque escolhem ir…saem no meio da encenação porque preferem sair … e, acima de tudo tem o direito de decidir se querem ou não voltar ao teatro… Eu, por exemplo, detesto corridas automobilsticas, já fui e achei chato e ridículo.. Não voltarei nunca mais.. Digo ao colunista o mesmo que digo à mim mesma: “Vai procurar a tua turma…”

    • Raquel Cozer comentou em 11/04/12 at 11:17

      A única coisa que digo sobre isso é que não sento mais na primeira fila. Embora uma das cenas mais bonitas que ja vivi no teatro tenha sido com o Gero Camilo, em Cleide, Eló e as Peras, falando com a gente na plateia

    • osvjor comentou em 11/04/12 at 18:10

      a Grace, além de ótima atriz, sabe das coisas.

  6. césar jacques comentou em 10/04/12 at 9:47

    Raquel, minha jornalista preferida. Acredito que esse escritor colombiano buscou a polêmica para agitar o ambiente. Mas, se realmente não gosta de teatro, tem todo o direito de dizê-lo, mesmo que não se concorde (isto já dizia Voltaire com outras palavras – não sobre a ribalta mas sobre les mots). Eu, por exemplo, acho ópera uma chatice, mas gosto das operetas musicadas por Offenbach e as libretadas por Gilbert e musicadas por Sullivan. Questão de gosto (tem uns que se lamenta). Quanto a escritores colombianos, tem um que li – Jorge Franco – que saiu aqui pela Alfaguara com o livro Rosario Tijeras (ótimo, lê-se de enfiada), mas que depois não vi mais nada. Sabes alguma coisa? Ah! só para relembrar a matéria anterior sobre os cartazes (pôsteres – argh) uma frase que casualmente achei do saudoso poeta Mario Quintana: “se vamos aportuguesar todas as palavras estrangeiras, a gente acaba perdendo o pouco de cultura que ainda tem”. Beijão.

    • Raquel Cozer comentou em 10/04/12 at 12:52

      Pois é, o que chamou a atenção é que o Abad não é de fazer polêmica só por fazer. Enfim. Tenho o Tijeras em casa, mas meu marido leu e não gostou e acabei nunca tentando, mas por estes dias tive vontade de tentar. A ver. Sobre outros, vou fazer um post. Deixa só terminar os que só terminar lendo

  7. Cássia comentou em 09/04/12 at 13:20

    Esse assunto é problemático – e que faz o sangue dos debatedores ferver…
    Porém, do alto da minha ignorância, há muitas ocasiões em que me sinto como ele, com relação ao teatro. Ou como os Cassetas que, nos bons tempos, lançaram a campanha “Vá ao teatro (mas não me chame!)”

    • Raquel Cozer comentou em 09/04/12 at 13:37

      Haha, nem lembrava disso. Acho que a coisa que o Rubiano diz é verdade: há muito teatro ruim, assim como há muita literatura ruim. A desvantagem do teatro é que não pega bem desistir logo no começo

  8. Felipe Silva Reis comentou em 09/04/12 at 11:52

    O Abad atacou de forma desnecessária o tema do Festival, creio que uma coisa é expor um ponto de vista, outra coisa é criticar da maneira que ele fez, uma voracidade desnecessária e até repudiável. Conclusão, mais uma vez se sobressaiu aquela antiga máxima, “Fala o que quer ouve o que não quer”.

    • Raquel Cozer comentou em 09/04/12 at 13:38

      É, vai saber se haverá um novo capítulo nessa história

  9. Aline Viana comentou em 09/04/12 at 9:28

    Posso falar? Também queria o Abad quando esse povo mala da Paulista me abordar novamente, rsrsrsrs

    • Raquel Cozer comentou em 09/04/12 at 9:32

      😉

  10. osvjor comentou em 09/04/12 at 7:35

    Acho q a discussão aí acontece em dois níveis diferentes e q não vão se encontrar nunca. O Abad expondo uma fobia, q por definição é uma aversão irracional, e o cara do teatro replicando de forma bastante racional, enumerando argumentos sensatos, dando informações básicas, como quem fala a uma criança birrenta q quer impor seu ponto de vista de qq maneira.

    Aí o Abad vem falar da teta pública etc, o que já é outra história. Uma coisa é não ser tocado por um tipo de expressão artística e até se sentir constrangido por ela enquanto o mesmo não acontece com milhares de outras pessoas. Outra é querer justificar esse sentimento com algum tipo de racionalização, do tipo: essa arte caducou, esse pessoal mama nas tetas do governo etc. Isso me parece um tremendo Gemischung. Uai, não era uma fobia, um sentimento irracional?

    Agora, infelizmente muitas vezes eu sinto o mesmo q o Abad em relação ao teatro; prefiro aliás estar no mato observando sapos q assistindo a uma peça…

    • Raquel Cozer comentou em 09/04/12 at 9:15

      Verdade, ele muda o discurso, Osvaldo, boa leitura. Embora o primeiro já tenha a semente do segundo, e que acho a parte equivocada do discurso dele, a de que o teatro é uma arte ultrapassada. Eu diria que o teatro é uma arte que alcança poucos, menos gente ainda do que a literatura alcança, e, como o próprio Rubiano diz, vc tem que ver muita coisa ruim até chegar numa boa. A diferença é que na literatura você pode simplesmente parar na vigésima página, enquando no teatro você fica mais socialmente constrangido a ver até o fim (uma das peças que vi aqui tinha um caminho forrado por plastico bolha, que fazia parte do cenário e era o único caminho possível de saída. Um casal resolveu sair no meio e deve ter sido um dos momentos mais constrangedores da vida dele). Agora, o que ele diz do teatro muita gente pode dizer da literatura em tempos de cinema e games…

      • osvjor comentou em 09/04/12 at 9:26

        vc acertou no q eh uma das diferenças cruciais entre ler um livro e ver uma peça. Não dá nem pra tirar um cochilo. Qdo minha filha era pequena, sofri em algumas peças infantis. E numa delas caí no sono por alguns momentos, aí fui sacaneado pelos atores até o fim do espetáculo.

        essa do plástico-bolha foi cruel.

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